09 de outubro de 2017

Campanha Nacional pelo Direito à Educação anuncia que novo Fundeb será pauta prioritária de incidência política

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação e organizações que a compõem divulgaram uma nota com posicionamento público na ocasião da comemoração dos seus 18 anos. No posicionamento, o comitê diretivo anuncia que a incidência sobre o novo Fundeb será a pauta de máxima prioridade da Campanha. E denuncia retrocessos no campo da educação, como o risco a implementação do Custo Aluno-Qualidade Inicial – CAQi  Veja a íntegra do documento abaixo:

 

 

Brasil, 5 de outubro de 2017.

Não serei o poeta de um mundo caduco

Também não cantarei o mundo futuro

Estou preso à vida e olho meus companheiros

Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças

Entre eles, considero a enorme realidade

O presente é tão grande, não nos afastemos

Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas (…)”

Trecho de “Mãos dadas” de Carlos Drummond de Andrade

 

Nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas conscientes e engajadas possa mudar o mundo. De fato, sempre foi assim que o mundo mudou.”

Margaret Mead

 

POSICIONAMENTO PÚBLICO

NO ANIVERSÁRIO DA CAMPANHA E DA CONSTITUIÇÃO, NOSSO DEVER É LUTAR CONTRA OS RETROCESSOS E INCIDIR POR UM FUNDEB PERMANENTE, CAPAZ DE IMPLEMENTAR O CAQi

No dia de hoje, 5 de outubro de 2017, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação completa 18 anos de lutas e conquistas em prol da consagração do direito humano à educação pública, gratuita, laica e de qualidade para todos e todas. Propositalmente, a maior e mais ampla articulação social em defesa dos direitos educacionais do povo brasileiro foi fundada no dia em que aniversaria a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A chamada Constituição Cidadã completa hoje 29 anos.

Em sua incansável caminhada, a rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação acumula vitórias decisivas. Desde 2002 produziu estudos coletivos que culminaram na criação do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), mecanismo que pauta o debate público sobre quanto custa a educação pública de qualidade, elevando o patamar de discussão sobre financiamento da educação.

O objetivo do CAQi é garantir que toda escola pública brasileira tenha profissionais da educação condignamente remunerados, com política de carreira, formação continuada, número adequado de alunos por turma, bibliotecas, laboratórios de ciência, laboratórios de informática, Internet banda larga, quadra poliesportiva coberta, alimentação escolar nutritiva e transporte escolar seguro. Como demanda a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei 9.394/1996), esses são os insumos indispensáveis para a realização plena do processo de ensino-aprendizagem. Ou seja, é o necessário para os professores ensinarem e os alunos aprenderem.

Aprovado na Conferência Nacional de Educação Básica de 2008 (Coneb/2008) e na Conferência Nacional de Educação de 2010 (Conae/2010), o estudo do CAQi foi normatizado pela Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE), legitimando oficialmente o trabalho da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Em 2014, após os debates orçamentários, acadêmicos e legislativos, o CAQi passou a constar nominalmente na legislação brasileira, sendo demandado de forma objetiva pelo Plano Nacional de Educação 2014-2024 (PNE 2014-2024). Nesse momento, o CAQi se torna o principal instrumento para a distribuição de recursos federativos, assumindo oficialmente o papel de alavancar a universalização do acesso, da qualidade e do controle social da educação pública brasileira. Graças à incidência da Campanha na tramitação do PNE 2014-2024, o CAQi representa o padrão mínimo de qualidade, o primeiro e decisivo passo para garantir o processo de ensino-aprendizagem com equidade em todo Brasil, tanto na cidade quanto no campo – e em todas as regiões do país, sem qualquer distinção. Já o Custo Aluno-Qualidade (CAQ) é o esforço adicional e necessário para o Brasil alavancar um patamar educacional elevado em termos educacionais. Os mecanismos CAQi e CAQ são as duas etapas essenciais para a busca da qualidade da educação, representam dois degraus estruturais para mudar definitivamente a história da educação brasileira e do direito à educação.

Não obstante a criação do CAQi, a Campanha liderou a sociedade civil na construção e regulamentação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb – Emenda à Constituição 53/2006 e Lei 11.494/2007, respectivamente); participou decisivamente da reforma constitucional da educação, consolidada na Emenda à Constituição 59/2009; colaborou com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) na tramitação da Lei do Piso do Magistério (Lei 11.738/2008), inclusive defendendo essa legislação junto ao Supremo Tribunal Federal (STF); incidiu junto com o Movimento dos Sem Universidade (MSU) pela Lei das Cotas (Lei 12.711/2012); venceu o mercado financeiro e setores retrógrados do Governo Dilma na aprovação da Lei que destina recursos petrolíferos para as políticas educacionais e sanitárias (Lei 12.858/2013), a chamada Lei dos Royalties para a Educação e a Saúde; e, enfim, junto a entidades e movimentos nacionais que integram seu Comitê Diretivo, protagonizou a incidência da sociedade civil na tramitação e aprovação do Plano Nacional de Educação 2014-2024 (Lei 13.005/ 2014).

No momento em que as conquistas legais supracitadas estão em risco e a implementação do CAQi está atrasada – pois deveria ser iniciada em junho de 2016, conforme determina o PNE 2014-2024 –,  é preciso que a rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação empreenda dois esforços: primeiro, enfrente e resista aos retrocessos impostos pelo Governo Temer, em especial a Emenda à Constituição 95/2016 (EC 95/2016), que ficou conhecida durante sua tramitação como “PEC das Desigualdades” e “PEC do Fim do Mundo”; segundo, incida para que o novo Fundeb, que deve se tornar um sistema permanente de financiamento da educação básica, seja capaz de implementar o CAQi e atenda ao princípio da exclusividade de recursos públicos para a educação pública, evitando processos de privatização que já se comprovaram ineficientes e ineficazes ao redor do mundo, inclusive aumentando as desigualdades educacionais e socioeconômicas.

Para cumprir com seu papel, a rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação deve perseverar e ampliar seu esforço de resistência ao processo de desconstrução do Estado brasileiro, capitaneado pelo Governo Temer, que destrói a economia, inviabiliza as políticas sociais – em especial as políticas de educação – e, por consequência, amplia as gritantes desigualdades socioeconômicas e civis brasileiras.

Assim, a Campanha deve intensificar sua bem-sucedida estratégia de denúncia dos tristes fatos que se avolumam no Brasil junto aos mecanismos internacionais da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA), demonstrando o flagrante desrespeito do Palácio do Planalto e de sua base parlamentar no Congresso Nacional ao princípio do não-retrocesso em Direitos Humanos. Em solo brasileiro, cabe à Campanha insistir em suas ações de justiciabilidade e exigibilidade, praticando a litigância estratégia e acionando o Sistema de Justiça em defesa das políticas sociais, em aliança com organizações parceiras e o Ministério Público Federal (MPF), mantendo vivo seu compromisso de promover e defender políticas educacionais capazes de universalizar o direito à educação pública gratuita, laica e de qualidade para todos e todas, em consonância com o texto dos artigos 205 e 206 da Constituição Federal que, respectivamente, ditam a missão e os princípios da educação nacional.

No tocante à resistência, a prioridade deve ser o enfrentamento da política econômica em vigor, que prejudica demasiadamente o povo brasileiro, aumentando o desemprego e concentrando a renda em favor daqueles que já são injusta e indignamente privilegiados.

Para implementar políticas sociais capazes de promover a justiça social, a Campanha deve se somar à luta pela revisão do sistema tributário e fiscal brasileiro, que deve ineditamente tributar mais e melhor os mais ricos e desonerar os mais pobres – particularmente, disso também depende o financiamento adequado da educação. Além disso, é preciso revogar a EC 95/2016, que determina que em 20 anos o Governo Federal não investirá sequer um centavo novo em educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados –, respectivamente, os direitos sociais inscritos no Art. 6º da Constituição Cidadã de 1988.

Contudo, o esforço não pode se limitar à EC 95/2016, é preciso, também, incidir pela revogação da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), da Reforma do Ensino Médio (Lei 13.415/2017) e das portarias e do decreto executivo que desconstruíram unilateralmente o Sistema Nacional de Educação Básica (Sinaeb – Portaria MEC 981 de 26 de agosto de 2016), o Fórum Nacional de  Educação (Portaria MEC 577 de 27 de abril de 2017) e a Conae/2018 (Decreto Executivo de 26 de abril de 2017). Todas essas reivindicações da Campanha estão revigoradas por posicionamentos e recomendações da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), que dentro do MPF tem o papel de exercer a proteção e defesa dos direitos individuais indisponíveis, coletivos e difusos – tais como dignidade, liberdade, igualdade, educação, saúde, assistência social, acessibilidade, acesso à justiça, direito à informação e livre expressão, reforma agrária, moradia adequada, não discriminação, alimentação adequada, dentre outros.

Ademais, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação permanecerá se opondo incansável e incondicionalmente contra o obscurantismo e a todas as formas de discriminação, especialmente às discriminações de classe social, étnico-raciais, de gênero, orientação sexual, regionais e religiosas. Bem como não aceitará a desconstrução do direito à educação infantil e a inviabilização da Educação de Jovens e Adultos, da educação do campo, da educação indígena, da educação quilombola e da educação inclusiva, etapa e modalidades que se encontram sob ataque no Governo Temer.

É com o espírito de promover o direito à educação, resistindo incansavelmente e em todas as instâncias possíveis aos retrocessos vividos pela sociedade brasileira, que a Campanha Nacional pelo Direito à Educação permanecerá firme em sua caminhada rumo à consagração do direito humano à educação pública no Brasil, sem tergiversar.

Nesse sentido, reunidos entre os dias 3 e 4 de outubro, nós do Comitê Diretivo e da Coordenação Nacional deliberamos que a incidência no novo Fundeb deve ser a pauta de máxima prioridade da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Dessa forma, convocamos nossa toda nossa ampla, plural e aguerrida rede, bem como nossos parceiros no campo da educação.

O novo Fundeb tramita no Senado Federal por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 24/2017. Na Câmara, avança por meio da PEC 15/2015. Ambas precisam de aprimoramento, o que exige tempo e debate qualificado, sob risco de uma deliberação irrefletida, em um mecanismo que administra de mais de uma centena de bilhões de reais.

Assim, é fundamental que a rede da Campanha esteja vigilante para que a tramitação dessas proposições não seja influenciada por interesses particulares de movimentos e fundações empresariais que buscam construir condições para diversas formas de privatização da educação pública no Brasil, calcada no argumento superficial e falacioso da eficiência administrativa do setor privado, que pode ser contraditado por fatos, notícias e investigações em curso no país, que demonstram cabalmente os vínculos entre o poder econômico, corrupção e abuso de poder.

A incidência no novo Fundeb é estratégica, porque do ponto de vista constitucional não há qualquer impedimento à ampliação do montante de recursos para esse sistema de fundos, uma vez que o Novo Regime Fiscal, instituído pela EC 95/2016, possui uma brecha em que está permitida a ampliação desses investimentos. Inclusive, ao contrário, a EC 95/2016 exclui as complementações da União ao atual e ao novo Fundeb, permitindo a ampliação dos recursos da educação básica.

Fora dos efeitos da EC 95/2016, para que o FUNDEB seja potencializado, implemente o CAQi e atinja as finalidades maiores da educação, a Campanha propõe a elevação da complementação da União do atual patamar de, no mínimo, 10% para, no mínimo, 50% dos recursos investidos por Estados e Municípios. Ou seja, a cada R$ 1,00 investido por Estados e Municípios, que arrecadam muito menos do que o Governo Federal, a União deve colocar, no mínimo, R$ 0,50 – ao invés dos parcos R$ 0,10 depositados hoje.

Para tanto, entre outras alternativas e fazendo uso da legitimidade adquirida na tramitação da Lei 12.858/2013, a Campanha defende a ampliação da cesta de recursos componentes do Fundo, acrescentando percentual a ser definido em lei dos recursos provenientes da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural. Dessa forma, o novo Fundeb terá mais condições de financiar a implementação das metas e estratégias do PNE relativas à Educação Básica, especialmente viabilizar o CAQi.

É preciso reiterar que dar prioridade à tramitação do novo Fundeb, que pretende ser permanente, não significa deixar de monitorar criteriosamente o (des)cumprimento do Plano Nacional de Educação 2014-2024, nem abrir mão de enfrentar medidas arbitrárias como a Reforma do Ensino Médio, a recente e equivocada permissão do ensino religioso nas escolas públicas, deixar de problematizar os incontáveis problemas da terceira versão da Base Nacional Comum Curricular, além de enfrentar os ataques à gestão democrática e à participação estudantil promovidos pelo Governo Temer e seus aliados nos governos das esferas subnacionais. Agir em defesa do bom senso e do direito à educação é um dever da Campanha, e jamais vamos nos eximir de cumprir com nosso papel.

Dessa forma, a rede da Campanha reitera seu compromisso com a construção do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE) e da Conferência Nacional Popular de Educação (Conape), ambos instrumentos essenciais para a retomada democrática e legítima do Fórum Nacional de Educação (FNE) e da Conferência Nacional de Educação (Conae) – e que estão em risco a partir de decisões unilaterais e arbitrárias do atual governo.

Por fim, no aniversário de 18 anos da Campanha, o Comitê Diretivo e a Coordenação Nacional desejam dar duas mensagens ao povo brasileiro, à comunidade educacional e à nossa própria rede: primeiro, manifestamos nossa defesa de que a economia esteja a serviço da educação – bem como dos demais direitos do povo brasileiro –, por meio do financiamento adequado das políticas educacionais. É o povo quem constrói a economia, contudo, ele é injustamente impossibilitado de usufruir da riqueza gerada pelo seu suor.

Manifestar esse posicionamento é ter a coragem de se opor às falas, posições e jogos de influência dos movimentos e fundações empresariais que atuam na educação. Salvo raras exceções, praticamente todos insistem em colocar a educação a serviço da economia, o que produz um projeto educacional que amplia o subfinanciamento do direito à educação, reproduz desigualdades e se opõe à finalidade educacional, que é a emancipação plena do cidadão por meio do direito de todos os cidadãos e de todas as cidadãs à apropriação da cultura, compreendida aqui como os valores, as artes, as ciências e as demais formas de conhecimento produzidas pela humanidade. Para observar com clareza como os movimentos e fundações empresariais submetem a educação à economia basta verificar quais instituições apoiaram a perniciosa Reforma do Ensino Médio.

Segundo, é preciso que a pedagogia seja a ciência e o campo do conhecimento predominante na elaboração, execução e avaliação das políticas educacionais. Ao invés disso, no Brasil, o debate educacional insiste no amadorismo pedagógico alavancado pela participação distanciada, voluntariosa, irrefletida e desmedida de economistas, administradores, operadores do direito e jornalistas no debate educacional.

Para atuar na educação pública é preciso ter responsabilidade. É necessário estudar educação, mergulhar na compreensão da didática, compreender o Brasil e querer torná-lo um país verdadeiramente justo. Para tanto, é imprescindível viver e respeitar a escola pública. Ou seja, é imprescindível conhecê-la sem estereótipos e preconceitos.

Por isso, a Campanha reitera sua defesa na gestão democrática, defendendo que a tomada de decisão das políticas educacionais sejam empreendidas e protagonizadas a partir das escolas e das comunidades escolares, o que significa dar voz e poder aos educadores, aos educandos e aos familiares.

Afirmar esses princípios é natural para todos e todas nós, pois a Campanha é uma rede composta por pessoas que vivem cotidianamente a escola pública e acreditam nela.

Vida longa à Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em nome do compromisso e da esperança de que um dia o espírito original da Constituição da República Federativa do Brasil será consagrado na materialização de um país igualitário, justo, próspero e sustentável.

Assina: Comitê Diretivo e Coordenação da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação:

Ação Educativa

ActionAid Brasil

Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca)

Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF)

Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA-CE)

Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)

Fundação Abrinq pelos Direitos das Crianças e dos Adolescentes

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (Mieib)

União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme)

União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

voltar