A CRIANÇA E O ESPAÇO: A CIDADE E O MEIO AMBIENTE

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Território do Brincar

Um mergulho respeitoso e profundo na cultura infantil. O projeto Território do Brincar, idealizado pela educadora Renata Meirelles e o documentarista David Reeks, correalizado com o Instituto Alana, é resultado de uma jornada de 19 meses por diferentes comunidades do país, a fim de dar voz às crianças brasileiras por meio de sua atividade mais espontânea e natural:

“Queríamos mostrar às pessoas que brincar é esse que vem do lugar do espontâneo, da liberdade e da autonomia que as crianças têm de decidir o que querem e do que gostam. Trazemos no projeto o que há de semelhança nas brincadeiras, apesar da diversidade regional e de condições sociais e econômicas que marcam o país. Buscamos algo que conecte o brincar como um todo e forme uma memória coletiva que represente a todos. E o que conecta é o imaginário que as crianças expressam no brincar”, explica Renata.

Entre abril de 2012 e dezembro de 2013, Renata, David e seus dois filhos percorreram comunidades rurais, indígenas, quilombolas, grandes metrópoles, sertão e litoral de nove estados brasileiros, registrando a cultura infantil encontrada em cada um desses territórios em textos, vídeos, fotos e áudios. A jornada se desdobrou em diferentes produções culturais: um longa-metragem, dois livros, duas séries de TV infantil, curtas-metragens, artigos e uma exposição itinerante. Além disso, o site do projeto para ) é um grande repositório dessas produções e das brincadeiras registradas durante a jornada.

Em 2016, a série de videoconferências Diálogos do Brincar convidou diversos especialistas para debater as brincadeiras infantis e também está disponível a quem quiser mergulhar neste universo e refletir sobre as condições que as crianças estão encontrando para exercer esse direito em nosso país. Para Renata, ao pensar sobre os lugares propícios ao brincar, o mais importante é ter em mente que a potencialidade das crianças para esta atividade é tamanha, que ela se expressa em qualquer contexto, embora isso não justifique falta de atenção das autoridades para a adequação de espaço e condições:

“As crianças enfrentam problemas de toda ordem, mas elas encontram mecanismos para fazer esta rachadura na parede de dificuldades que está na frente delas. Essa força vem do brincar, dessa expressão de vida”, reflete, para logo ressaltar: “As crianças que vivem hoje em espaços urbanos longe da natureza experimentam um abandono da terra mãe. Isso é uma lacuna na formação humana e é insubstituível por outras relações. Muitos estudos sobre o déficit de natureza buscam entender suas conseqüências. As crianças que vivem em áreas rurais também encontram vulnerabilidades, mas de outras ordens. Algumas vivem o abandono familiar ou uma carência muito grande de meios de ter boas condições de vida”.

Segundo a educadora, o contato intenso com a natureza experimentado por crianças que vivem longe dos centros urbanos é claramente expresso nas brincadeiras e na relação que os pequenos estabelecem com suas próprias naturezas pessoais e com o conhecimento que apresentam de si mesmos. As crianças que vivem nas grandes cidades costumam brincar mais em casa e nos playgrounds de condomínios e nas escolas. A rua fica restrita às classes mais baixas, cujo acesso é permitido, mas sempre sob muita vigilância e preocupação familiar. No espaço urbano, Renata repara numa brincadeira muito verborrágica, que expressa os elementos da diversidade própria das grandes cidades.

As áreas comuns para a brincadeira nos centros urbanos são a escola e os playgrounds, públicos ou privados. Elas costumam ser construídas sob uma perspectiva do brincar direcionado, contrapondo-se à necessidade das crianças de ter liberdade de expressão.

“Tenho feito um trabalho com educadores e tentado identificar os elementos de espontaneidade junto com os professores. Percebo a dificuldade deles em saber o que é espontâneo e de detectar a espontaneidade nas crianças. Os pequenos estão numa verdadeira batalha por essa busca nas escolas, um lugar que traz atividades muito dirigidas, mas pouco respiro para os alunos serem quem eles realmente são. Acho que os educadores estão precisando acreditar mais nessa capacidade do brincar, para que ele ocorra com mais qualidade e para que a própria escola usufrua disso”, diz Renata.

No que diz respeito aos espaços públicos de convivência, eles também reproduzem esse controle e direcionamento identificado nas escolas, com ofertas de brinquedos que não desafiam os pequenos.

“Antes, os playgrounds eram feitos por arquitetos, com outro nível de risco e possibilidades motoras vastas, mas hoje eles estão muito engessados. Vejo um encontro muito rico e necessário nos espaços públicos, mas há uma visão controladora do brincar, um medo muito grande por parte dos adultos. E isso despontecializa a criança. A falta de possibilidades motoras gera uma flacidez de possibilidades corporais, que repercute no âmbito do desejo, do conhecimento de si mesmo, da sua força como ser humano”.

Território do Brincar traz o retrato de uma infância diversa e potente, de crianças que criam suas brincadeiras e brinquedos, fugindo aos estereótipos da infância atual, que faz muitos adultos acreditarem que os pequenos já não brincam como antes, e tentam suprir o que consideram o vazio de ludicidade com o consumo.

“Não ter brinquedo não impede que uma criança brinque. Elas inclusive fabricam seus próprios brinquedos. O brincar vem de dentro. Consumir brinquedo não tem a ver com infância, tem a ver com o mercado”, conclui.

 

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2016 Secretaria Executiva da Rede Nacional Primeira Infância - Triênio 2015/2017: CECIP - Centro de Criação de Imagem Popular