28 de novembro de 2011

Cultura: o mundo humano

Fragmentos do livro: A Escola e o Conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos

 

(…)

Qual é, porém, a “ferramenta” para enfrentarmos a realidade? A tentação inicial seria dizer: a racionalidade. No entanto, evidentemente, não basta pensar para que as coisas aconteçam; é preciso agir.

Nossa relação de interferência no mundo se dá por intermédio da ação; entretanto, não é uma ação qualquer o que nos distingue, pois todos os animais têm ação.

Nossa ação, porque altera o mundo, é uma ação  transformadora, modificadora, que vai além do que existia; todavia, alguns outros animais também têm ação transformadora.

O que vai nos diferenciar, de fato, é que só o animal humano é capaz de  ação transformadora consciente, ou seja, é capaz de agir intencionalmente (e não apenas instintivamente ou por reflexo condicionado) em busca de uma mudança no ambiente que o favoreça.

Essa ação transformadora consciente é exclusiva do ser humano e a chamamos trabalho ou práxis; é consequência de um agir intencional que tem por finalidade a alteração da realidade de modo  a moldá-la às  nossas carências e inventar o ambiente humano.

O trabalho é, assim, o instrumento de intervenção do humano sobre o mundo e de sua própria apropriação (ação de tornar próprio) por nós.

Se o trabalho é o instrumento, qual é o nome do efeito de sua realização? Nós o denominamos cultura (conjunto dos resultados da ação do humano sobre o mundo por intermédio do trabalho).

Veja-se que, por ser a cultura um produto derivado de uma capacidade inerente a qualquer humano e por todos nós realizada, é um absurdo supor  que alguém não tenha cultura; tal concepção, uma discriminação ideológica, interpreta a noção de cultura apenas no seu aspecto intelectual mais refinado e não leva em conta a multiplicidade da produção humana coletivamente elaborada.

Nós humanos somos, igualmente, um  produto cultural; não há humano fora da Cultura, pois ela é nosso ambiente e nela somos socialmente formados (com valores, crenças, regras, objetos, conhecimentos etc) e historicamente determinados (com as condições e concepções da época da qual vivemos). Em suma, o Homem não nasce humano, e sim, torna-se humano na vida social e histórica no interior da Cultura.

(…)

Da relação Humano/Mundo por meio do trabalho, resultam os produtos culturais;  esses produtos, por nós criados a partir de nossa  intervenção na realidade e dela em nós, são de duas ordens: as ideias e as coisas.

Movidos pela necessidade como ponto de partida, a Cultura está recheada das coisas que fazemos em função das ideias que tivemos e das ideias que tivemos em função das coisas que fazemos (…). Em outras palavras, os  produtos materiais (as coisas) estão impregnados de idealidade e os produtos ideais (as ideias) estão entranhados de materialidade.

Os produtos culturais têm, como característica básica, serem úteis para nós; por isso, também podem ser conceituados como bens.

(…)

Desse ponto de vista, o bem de produção imprescindível para a nossa existência é o Conhecimento, dado que ele, por se constituir em entendimento, averiguação e interpretação sobre a realidade, é o que nos guia como ferramenta central para nela intervir; ao seu lado se coloca a Educação (em suas múltiplas formas), que é o veículo que o transporta para ser produzido e reproduzido.

 

IN: CORTELLA, Mario Sergio.  A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos. 13 ed. São Paulo: Cortez, 2009

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