31 de março de 2016

Debate sobre enfrentamento à epidemia de microcefalia pelo zika vírus e mortalidade infantil indígena reúne especialistas no RJ

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Claudius Ceccon, Liliana Lugarinho, Liliane Penello e Carlos Maciel, na mesa de abertura do Seminário

Os desafios para o cuidado e desenvolvimento das crianças com microcefalia e o controle da epidemia pelo Zika Vírus, e os desafios para o enfrentamento da mortalidade infantil indígena foram os temas do II Seminário Nacional de Saúde e Primeira Infância, que reuniu cerca de 150 pessoas no dia 29/03, no Rio de Janeiro. O evento reuniu especialistas de norte a sul do Brasil que apresentaram dados sobre a incidência do zika vírus, as ações do ministério, as diferentes frentes de ação, e dados valiosos e de difícil acesso sobre a mortalidade das crianças indígenas, os desafios dos agentes de saúde indígenas, e uma certeza e consenso: a importância de reduzir as desigualdades e combater a miséria e a pobreza para melhorar a saúde das crianças pequenas brasileiras. (Veja aqui o álbum de fotos do evento)

O Seminário foi uma realização da Secretaria Executiva da Rede Nacional Primeira Infância / CECIP e do Grupo de Trabalho sobre Saúde que participou com representantes do Instituto da Infância (IFAN), do Ceará, Programa Primeira Infância Melhor, do Rio Grande do Sul, Secretaria de Saúde do Amazonas, Fundação Amazônia Sustentável (FAS), Fundação Abrinq, Criança Segura, United Way Brasil e Plan International Brasil. As apresentações feitas pelos conferencistas estão disponíveis aqui.

Na mesa de abertura e boas-vindas, Claudius Ceccon, coordenador da Secretaria Executiva da Rede Nacional Primeira Infância e diretor executivo do CECIP – Centro de Criação de Imagem Popular, falou sobre o papel da rede em promover encontro e articulação entre diversas áreas do conhecimento e organizações, em benefício de uma cultura de cuidado integral da criança pequena. Liliane Penello, da Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis, falou da perspectiva da organização, que entende que as políticas públicas de saúde devem preocupar-se em garantir um ambiente saudável e facilitador da vida, atento aos determinantes sociais de cada grupo. Liliana Lugarinho, da EBBS, ressaltou que a epidemia do zika vírus e a mortalidade infantil em populações indígenas trazem uma convocação ao trabalho e à reflexão sobre inequidade da saúde no Brasil.

O desafio do enfrentamento da epidemia de microcefalia provocada pelo Zika Vírus

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Evelyn Eisenstein faz a moderação da mesa que debateu a epidemia de microcefalia congênita

O evento contou com duas mesas, em que os temas centrais do encontro foram abordados. Fernanda Medeiros, da Coordenação Geral de Saúde da Criança e Aleitamento Materno, do Ministério da Saúde, iniciou as apresentações na mesa que abordou o Zika Vírus, apresentando um panorama das ações do Ministério da Saúde na atenção às mulheres em idade fértil, gestantes, mães e crianças com microcefalia. Fernanda descreveu as diferentes estratégias, que contemplam a mobilização e combate ao mosquito Aedes Aegypti, o atendimento às famílias e às crianças com microcefalia, e o desenvolvimento tecnológico e pesquisa sobre o mosquito e a doença.  Descrevendo o conteúdo de uma das publicações recentes, o “Protocolo de atenção à saúde e resposta à ocorrência de microcefalia relacionada à infecção pelo Zika vírus”, o Ministério orienta os profissionais de saúde para as ações de prevenção da infecção pelo vírus Zika, atenção ao pré-natal, parto e nascimento e assistência aos nascidos com microcefalia. Uma vez diagnosticado com microcefalia, os bebês deverão integrar o Programa de Estimulação Precoce ,desde o nascimento até os três anos de idade, em serviços de reabilitação como Centros Especializados de Reabilitação(CER), Núcleo de Apoio à Saúde da Família(NASF) e Ambulatórios de Seguimento de Recém Nascidos das Maternidades.

Para atenção às crianças com microcefalia, o Ministério da Saúde destacou a formação dos profissionais, através de teleconferências que estão sendo feitas com gestores e profissionais da saúde dos estados e municípios. E também a busca ativa das crianças notificadas, medida prevista na Portaria Interministerial publicada no dia 15 de março, que prevê ações em conjunto do Ministério da Saúde, Ministério do Desenvolvimento Social e Casa Civil. De acordo com Fernanda, a portaria objetiva acelerar a confirmação do diagnóstico de microcefalia, fazer as avaliações clínicas necessárias, e encaminhar as crianças com microcefalia para os serviços de reabilitação. A Portaria também prevê que os Estados recebam apoio financeiro do Ministério da Saúde para custeio dos exames de imagem e deslocamento das famílias dos bebês diagnosticados até as unidades de saúde, e que as famílias sejam informadas sobre a possibilidade de benefício da assistência social, nos casos em que a renda per capita seja de até R$ 220.IMG_1477

José Temporão, diretor executivo do Instituto Sulamericano de Governo em Saúde e ex-ministro da Saúde, enumerou o cenário de dúvidas e incertezas quando se aborda o Zika Vírus, e apresentou as várias dimensões que a epidemia envolve, desde aspectos científicos sobre o mosquito, saneamento básico, assistência social, direitos reprodutivos e comunicação. E propôs uma agenda política pautada na intersetorialidade, com destaque para a universalização de uma política de saneamento básico, transparência na informação para as mulheres sobre os riscos da doença, ampla distribuição de contraceptivos, e defesa da legalização do aborto para mães que assim desejarem.

Márcia Machado, pró-reitora da Universidade Federal do Ceará e integrante do GT Saúde, falou sobre a epidemia de zika no estado, e sobre a rede precária de saneamento básico, coleta de lixo e fornecimento contínuo de água. Márcia também relatou as dificuldades das mães e familiares de crianças com microcefalia, que vivem em municípios distantes dos centros urbanos, e nem sempre tem apoio das prefeituras para fazer o deslocamento até Fortaleza, onde ficam os serviços referência em reabilitação. Com relação ao papel das Universidades no enfrentamento do problema, Márcia enumerou possíveis linhas de pesquisa sobre o tema, como economia e impacto da epidemia no orçamento público, estudos etnográficos que possam dar dados qualitativos sobre a incidência da doença, fecundidade, desenvolvimento infantil, fatores ambientes e as possíveis associações com os distúrbios neurológicos, avaliações das intervenções e formação de profissionais.

Evelyn Eisenstein, do Centro de Estudos Integrados Infância, Adolescência e Saúde (CEIIAS) e comentadora da mesa, chamou a atenção para o desconhecimento do grande público e dos próprios especialistas sobre as ações desenvolvidas pelo Ministério da Saúde, e colocou o GT Saúde da RNPI à disposição para apoiar a formulação de políticas em favor das crianças pequenas e suas famílias.

Mortalidade Infantil em populações indígenas

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Lysiane de Castro, da SESAI, apresenta ações do Ministério da Saúde

O segundo tema tratado foi a mortalidade infantil em comunidades indígenas. A moderadora da mesa foi Luzia Lafitte, do Instituto da Infância e GT Saúde, que abriu o debate apresentando o contexto dessa discussão no âmbito da Rede Nacional Primeira Infância, que elencou o tema em seu Planejamento Estratégico para o triênio de 2015 a 2017. Luzia também sintetizou alguns desafios para a compreensão do problema que já haviam sido debatidos pelo GT Saúde: a falta de saneamento básico, condições de moradia muito precárias, falta de acesso a escola,violências,baixo índice de Registro Civil, e notificação de óbitos falha.

Lysiane Paiva, da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (SESAI), apresentou um retrato da atual situação de atendimento à saúde indígena, que se organiza em 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI). De acordo com os dados do Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena, mais de 700 mil indígenas vivem em aldeias que ocupam cerca de 12% do território nacional, representando mais de trezentos povos, que falam mais de 274 idiomas.  Desse total, 60% vivem em terras indígenas regularizadas. De acordo com dados preliminares do Censo Vacinal de 2015, a população indígena com menos de um ano de idade é de 15.192 crianças, e a população de 1 a 4 anos de idade, 65.324. De acordo com os dados apresentados por Lysiane, os DSEI com mais altos índices de mortalidade infantil são o DSEI Yanomami (próxima à Boa Vista, Roraima), com 149 crianças mortas a cada mil nascidas vivas, DSEI do Vale do Javari (que abarca a região de Atalaia do Norte, Amazonas), com 123, DSEI Kaiapó do Mato Grosso (próxima a região da cidade de Colíder, no Mato Grosso, com 74,29) e DSEI Kaiapó do Pará (com 71,43, que abarca a região próxima ao município de Redenção, no Pará).

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Paulo Frias, do IMIP, fala da qualidade dos dados sobre mortalidade infantil

Lysiane apresentou dados sobre o aumento de número de gestantes que realizaram mais de quatro consultas de pré-natal, que passou de 52% em 2014 para 67% em 2015. Entre as estratégias adotadas pela SESAI na garantia da saúde às crianças estão oficinas de capacitação de profissionais, e a vigilância dos óbitos infantis e fetais, como forma de identificar os fatores causadores e atuar na prevenção de novas mortes. E apresentou também ações para melhorar a qualidade das informações sobre mortalidade infantil, como a distribuição de formulários de Declaração de Óbito e de Nascidos Vivos aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, e o monitoramento e avaliação nos Sistema de Informação.

Flavio Debique, da Plan International Brasil e integrante do GT Saúde da RNPI, relacionou o tema da mortalidade infantil em comunidades tradicionais com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e os Objetivos do Milênio (ODM). Durante a apresentação, Flavio lembrou que o Brasil teve muito sucesso ao atingir a meta relacionada de redução da mortalidade infantil prevista nos Objetivos do Milênio, reduzindo de 29,7 a cada mil nascidos vivos, em 2000, para 15,6 em 2010. Mas reforçou que ainda persistem muitas desigualdades, fato que é comprovado pelo alto índice de mortalidade infantil indígena. Para Flavio, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável oferecem oportunidades para o enfrentamento da questão, que precisa ir além do ponto de vista da saúde e propor um esforço intersetorial,que envolva a erradicação da pobreza e da fome, o fornecimento de água limpa e saneamento básico

Em seguida, Paulo Frias, do Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira (IMIP/PE) de Pernambuco, abordou a invisibilidade ao qual a mortalidade infantil indígena está sujeita. Paulo reforçou que sem informações de qualidade não há planejamento e nem alocação de recursos, e sobre a desigualdade da cobertura de informações sobre os óbitos e nascidos vivos nos estados brasileiros. Para o pesquisador, o monitoramento da Mortalidade Infantil e a produção de informações fidedignas deve ser encarado como uma estratégia para dar visibilidade aos grupos em desvantagem social e vulneráveis e definir caminhos para reduzir as desigualdades.

Paulo Frias também apresentou a evolução da qualidade dos dados sobre mortalidade infantil indígena ao longo dos anos, ponderando que a alta taxa de mortalidade nesse grupo revela também os esforços para melhoria dos sistemas de informação e notificação. E que a coleta de dados sobre mortalidade de outros grupos tradicionais, como quilombolas, ribeirinhos e ciganos, é de difícil rastreamento, já que não existem variáveis que permitam a sua identificação no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc).

Gabriela Guida de Freitas, da ong Criança Segura, abordou o tema dos acidentes como uma questão de saúde pública, já que são a principal causa de morte de crianças de um a 14 anos. De acordo com dados do Datasus, cerca de 4.500 crianças morrem por ano por acidentes, e 122 mil são hospitalizadas. Do total de crianças de 1 a 9 anos que morrem por afogamento, 38% dos acidentes acontecem em águas naturais, e que a região norte concentra a maior proporção entre mortes por afogamento e população.

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Integrantes do GT Saúde celebram o sucesso do evento

Marco Legal da Primeira Infância

Por fim, Ivania Ghesti, da Frente Parlamentar Primeira Infância, fez uma apresentação sobre o Marco Legal da Primeira Infância, lei número 13.257/2016, recém-sancionada e que traz avanços para o cuidado das crianças pequenas no âmbito da saúde e da redução das desigualdades. Uma publicação com o texto completo da lei foi distribuída para os participantes do evento.

 

Rosa Maria Mattos

Assessora de comunicação da Rede Nacional Primeira Infância

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