09 de março de 2020
Marco Legal da Primeira Infância: avanços e desafios
Há exatos quatro anos, desde 8 de março de 2016, o Brasil tem uma lei específica que estabelece diretrizes para políticas públicas e garantias específicas para crianças de zero a seis anos, o Marco Legal da Primeira Infância. Cerca de dez por cento da população brasileira está nessa faixa etária. São 20 milhões de crianças vivenciando um período crucial para a formação humana, em que todas as situações e a forma como atendem-se necessidades essenciais são especialmente importantes.
Para Miriam Pragita, diretora executiva da ANDI Comunicação e Direitos e secretária executiva da Rede Nacional Primeira Infância, “há um desconhecimento sobre a importância de cuidar e garantir os direitos na primeira infância e de enxergar crianças como sujeitos de direito”. Por essa razão, o Marco é fundamental, ele “dá respaldo para que se tenha a obrigatoriedade de políticas públicas voltadas para a garantia dos direitos na primeira infância”, complementa.
O Projeto de Lei que deu origem ao Marco, PL 6.998, foi proposto em dezembro de 2013 pela Frente Parlamentar da Primeira Infância. Em 2014, a Comissão Especial da Primeira Infância promoveu audiências públicas interativas e diversos seminários regionais e internacionais, com o objetivo de ouvir análises e sugestões de especialistas e autoridades sobre o tema. “A sociedade civil subsidiou o parlamento e o executivo brasileiros com informações e impulsionou o debate político acerca da primeira infância. O resultado foi uma aprovação unânime do Marco, que passou a ser um documento defendido pela sociedade civil e por todo o espectro político-partidário”, pontua Renato Godoy, coordenador de relações governamentais do Instituto Alana.
“O Marco posiciona a primeira infância no imaginário do país. Deixa de ser um assunto só de quem trabalha com isso, para provocar todo mundo a olhar a primeira infância”, aponta Viviana Santiago, gerente de gênero e incidência política na Plan International Brasil.
A Lei estabelece, por exemplo, formação e apoio a mães e pais a fim de que desenvolvam sua capacidade e habilidade enquanto cuidadores; acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher, incluindo planejamento reprodutivo, pré-natal, atenção humanizada durante a gravidez, parto, perinatal e pós-natal integral pelo SUS; licença-maternidade de seis meses e paternidade de 20 dias para empresas que aderiram ao Programa Empresa Cidadã; entre outros.
Avanços e desafios
“É uma lei recente”, pontua Pragita, “então, não dá para a gente ser ingênuo e pensar ‘já fizemos avanços enormes’, mas fizemos, sim, alguns avanços. A implementação de planos municipais pela primeira infância, o programa Criança Feliz, o Pacto Nacional pela Primeira Infância…são desdobramentos da definição de que deve cumprir-se o que a nossa Constituição diz: criança é prioridade absoluta”, complementa.
“Somos um país que historicamente viola os direitos das crianças. Implementar o Marco Legal da Primeira Infância significa reconhecer o valor da primeira infância, a necessidade de proteção e de uma política pública orientada para esse segmento”, complementa Viviana Santiago.
Para Santiago, as questões de gênero, raça, classe e deficiência na infância devem ser e ponto de partida para trabalhar em uma perspectiva de promoção de acesso à direitos. Crianças brancas, negras, indígenas, com deficiência e diferentes classes sociais “não são vistas da mesma forma e, portanto, não tem sua cidadania reconhecida da mesma forma e não conseguem ser alcançadas pelos direitos e políticas públicas da mesma forma”, afirma.
Em fevereiro de 2018, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal fez valer o artigo 41 do Marco, que institui a substituição da prisão preventiva por domiciliar de mulheres presas gestantes ou mães de crianças de até doze anos. Um habeas corpus coletivo foi concedido a mulheres presas preventivamente (que ainda aguardam o julgamento) e adolescentes internadas que sejam gestantes ou mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência para que cumpram prisão domiciliar. Dois anos depois da decisão, a aplicação ainda caminha a passos lentos, como apontaram especialistas durante o Expresso 227: Crianças no Cárcere.
A diligência pela garantia da integralidade dos direitos das crianças é diária, em todos os espaços da vida social e política. Conhecer esses direitos e exigir sua aplicação é fundamental para a construção do projeto de país que o artigo 227 de nossa Constituição Federal estabelece – e o Marco Legal da Primeira Infância reforça – em que crianças, todas, sem distinção, sejam prioridade absoluta. “As desigualdades no acesso à direitos no Brasil não podem ser uma nota de rodapé, são a questão central”, finaliza Santiago.
Fonte: Prioridade Absoluta