15 de dezembro de 2014

Paternidade: Uma revolução dos afetos

Por Daniel Costa Lima*

O debate em torno da questão da paternidade vem ocupando espaço em diferentes setores da sociedade nos últimos anos. Na maioria das vezes, o foco das discussões recai sobre as repercussões positivas ou negativas dos pais para a vida de crianças e mães. Acredito que ninguém duvide que um pai presente, carinhoso e que divide as tarefas de cuidado com a sua parceira ou com a mãe da criança contribui tanto para o bem estar delas quanto para a construção de uma sociedade com mais igualdade de gênero. Mas e se formos um pouco além e focarmos a nossa atenção nos possíveis significados da paternidade para os homens?

Para engatinharmos em direção à esta reflexão, precisamos pensar sobre patriarcado, machismo, heteronormatividade e como a nossa cultura continua reforçando papéis estereotipados para mulheres e homens e delegando injustamente poderes e privilégios para estes. Se partirmos do princípio que os homens e as masculinidades são socialmente e culturalmente construídas, e que estas construções têm grande relação com o fato de nossa sociedade encarar com naturalidade um homem espancando outro homem e com estranhamento (e até repulsa) um homem que ama outro homem ou que cuida da casa e das crianças enquanto a sua parceira trabalha.

As mulheres vêm de uma longa trajetória de mobilização por direitos, liderada por diferentes movimentos feministas, que resultou em uma verdadeira revolução cultural e de costumes. O interessante é perceber que esta revolução tão importante se deu e se dá, em boa parte, para a rua, ou seja, para os espaços políticos, para o trabalho fora da casa ou para a educação formal, não traduzindo-se necessariamente para as relações íntimas.

Hoje percebe-se que mesmo com passos ainda tímidos, muitos homens têm esboçado uma similar revolução, sendo que, no caso deles, esta tem sido para “dentro”, para convivências familiares mais equitativas e harmoniosas e também para o reconhecimento de que eles podem se expressar de forma sensível e delicada, rejeitando qualquer tipo de violência e vivenciando suas emoções e afetos livremente. É aqui que a paternidade, historicamente marcada por diversas imagens negativas e ligadas à manutenção de regras e normas,  surge com grande potencial transformador.

À medida em que nos envolvemos de forma plena e afetuosa com a gestação e com o parto de nossas parceiras ou com a adoção de uma criança e olhamos para este momento como muito mais do que um desafio à nossa capacidade de fazer dinheiro, damos um passo em direção a uma masculinidade menos árida e rígida. Esta paternidade ‘plena’, que implica desde a decisão conjunta de ter filhos, até as consultas de pré-natal, o acompanhamento do parto e todos os afazeres e prazeres posteriores relacionados à criação das crianças, pode ser a faísca necessária para uma profunda reflexão e consequente mudança em relação às formas que expressamos a nossa masculinidade. A paternidade pode representar, para nós homens, uma revolução dos afetos, uma introdução ou um aprofundamento em direção à sensibilidade, delicadeza e cuidado, algo que, aos poucos, pode transbordar para todas as nossas relações.

No entanto, para que essa revolução ocorra, não basta a ação de indivíduos, é preciso pressionar por políticas que valorizem o envolvimento dos homens com a paternidade, começando pela ampliação da licença-paternidade dos absurdos cinco dias atuais, para no mínimo um mês. Enquanto isso não for feito, as mulheres continuarão sendo cristalizadas no lugar de cuidadoras e este continuará sendo um ‘não lugar’ para os homens.

Felizmente, em um campo onde ainda luta-se para conseguir avanços tímidos, há boas notícias vindas do Planalto Central. Ao que tudo indica, o Projeto de Lei nº 6.998 será apresentado na Câmara Federal na semana que vem, dia 9 de dezembro de 2014. Este PL busca traçar diretrizes para as políticas publicas para a Primeira Infância (período entre o início da gestação até o sexto ano de vida), determinando ações específicas para tal fim. Dentre as importantes ações propostas está a ampliação da Licença-Paternidade para 15 dias (que apesar de ainda não ser o ideal, já melhora o cenário atual)  e a defesa do direito do pai de não comparecer ao serviço sem prejuízo do salário para acompanhar a gestante às consultas de pré-natal e pediátricas. Infelizmente, já se organiza um forte movimento contra estas medidas, com o argumento de que as mesmas afetarão negativamente os empregos e a economia.

O problema dessa leitura fria dos números é que ela é totalmente rasa e míope, não levando em conta que, dentre outras coisas, o envolvimento compromissado e afetuoso dos pais com a gestação e com seus/uas filhos/as pode resultar em: uma gestação e parto mais seguros; fortalecimento da amamentação; menores índices de estresse e depressão das mães; uma maior rede de amparo e desenvolvimento mais saudável das crianças; a divisão de todas as tarefas de cuidado e afazeres domésticos entre pais e mães. Diversas pesquisas nacionais e internacionais têm confirmado tais impactos e ressaltado a importância deles para o empoderamento das mulheres, para a redução da desigualdade de gênero e para o bem-estar de mulheres, crianças e homens.

Agora me digam, qual o impacto financeiro da desigualdade de gênero para a economia brasileira?Diversos setores governamentais e não governamentais têm reconhecido e atuado com esta visão mais ampla sobre a paternidade. Por exemplo, a Coordenação Nacional de Saúde dos Homens, do Ministério da Saúde, têm reforçado a importância do envolvimento dos homens com todas as etapas da gestação e com o cuidado e desenvolvimento das crianças. Em uma tentativa de sensibilizar homens, mulheres e profissionais de saúde sobre o tema e seu impacto para a igualdade de gênero, o Ministério tem desenvolvido a campanha “Pai Presente: cuidado e compromisso” há mais de um ano, mostrando que pré-natal, parto e pós-parto também são coisas de homem!

Passadas quase duas décadas de debates e ações sobre gênero, masculinidades e paternidade no Brasil, está mais do que na hora de todos e todas notarmos a importância social deste tema. No que diz respeito a nós, homens, acredito firmemente que neste bom caminho da paternidade, além da felicidade de quem nos rodeia, podemos enfim chegar, como diz Pepeu Gomes, à conclusão de que ser um homem “feminino” não fere o nosso lado “masculino”. Podemos ir além, reconhecendo que mais do que não ferir, isto pode nos melhorar como homens, já que como certeiramente cantou Mano Brown, “Do que adianta eu ser durão se o coração é vulnerável?”. O grande Gilberto Gil nos provocou a não mais viver a ilusão de que ser homem bastaria, que o mundo masculino tudo nos daria. Quem sabe, finalmente, com todos esses passos dados, nos permitiremos, como Gonzaguinha, desejar colo, palavras amenas, carinho, ternura e receber um abraço da própria candura.

*Daniel Costa Lima é Psicólogo, Mestre em Saúde Pública, consultor e ativista no campo de gênero, masculinidades, saúde dos homens e prevenção das violências baseadas em gênero.

E-mail: costalima77@gmail.com

Informações:https://ninja.oximity.com/article/Paternidade-Uma-revolu%C3%A7%C3%A3o-do-1

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