30 de abril de 2015

Publicidade e infância, um bate-papo com a publicitária Paula Rizzo

A publicitária Paula Rizzo

(Reportagem: Rebrinc. Foto: arquivo pessoal)

Ela é mãe, publicitária e fundadora e diretora de uma empresa de inspiração criativa e estratégica, a e*ideias. Acredita na transformação a partir da comunicação e se enxerga agente de mudança. É também criadora e coordenadora do grupo Gênero na Publicidade. Escreve para um site sobre consumo que traz dicas para pais e mães, o Cool*ruja. Nesse bate-papo, Paula Rizzo fala sobre ações de marketing, responsabilidade social das empresas e sobre a sua preocupação com a influência da publicidade e dos conteúdos da mídia sobre a infância.

Como mãe e profissional de comunicação, como você acha que os conteúdos da mídia impactam a infância e que tipo de prejuízos podem acontecer?
Acho que os conteúdos da mídia podem ferir a inocência, a fantasia, a autoestima, a imaginação e subestimam a inteligência das crianças. Ferem também o direito dos pais de zelar por tudo isso. Acho que prejudicam a autonomia pois exigem um adulto permanentemente ao lado das crianças. Mas, para não ter um adulto do lado das crianças, tínhamos que ter uma programação adequada à infância, o que não costuma acontecer.

O que você pensa da questão da publicidade infantil e da resolução 163 do Conanda?
Acho ótima a resolução 163 mas precisamos ir além. Minhas filhas assistem a apenas dois canais de TV, com seleção de programas e com um adulto do lado. Mas quando entram os comerciais, vem comercial de banco, de absorvente, de repelente… Seguindo a mesma lógica, não deveria ser proibido a existência de comercial nos intervalos dos programas infantis? Poderíamos ter um outro tipo de modelo comercial para estes canais, com o patrocínio de uma marca, mas sem comerciais. Na minha opinião, deve ser levada em conta também a publicidade que está em outdoors, abrigos de ônibus, traseiras de ônibus, as ações de ativação de marca em ambientes abertos, ações de ponto de venda que acontecem em locais onde trafegam crianças e adolescentes. Todas deveriam ser olhadas mais de perto. Algumas peças veiculadas ferem direitos da criança e do adolescente e expõem a temas complexos que eles não têm capacidade de entender, como o fetichismo.

E o que você acha dos produtos licenciados, com a vinculação de personagens queridos em alimentos não saudáveis e outros itens?
Não entendo nada de leis, mas acho o apelo criminoso. Interfere na qualificação de um bem de consumo. É apelativo e não ajuda a criar pessoas que pensam o consumo. E no mundo de hoje a gente necessita muito repensar o consumo, o uso e o descarte. E se há possibilidades de reúso, reciclagem ou upcycling. Outro dia vivemos uma cena absurda: minha filha de dois anos estava numa farmácia e começou a brincar com os pacotes de camisinha que estavam na altura das suas mãos no caixa. E fez isso porque a embalagem tinha um morango estampado. Este produto talvez não devesse estar neste local, nesta altura e nem ter um morango na embalagem. É preciso ficar mais atento e abrir o radar. As marcas boas também têm que fazer um esforço para elevar a qualidade da sua categoria, valorizar aquilo que fazem de bom e conscientizar para o que é importante.

Desde 2013, com a formação da Rebrinc, temos tido muito apoio de pais e mães preocupados com a influência do consumo sobre seus filhos. Mas por outro lado, vimos também a sofisticação crescente das estratégias do marketing e do trabalho dos publicitários. Como você vê esta luta entre famílias e mercado? Como fortalecer o papel das famílias nesse embate?
É necessária uma articulação destas muitas vozes contrárias. E uma mobilização conjunta para regulamentar, fiscalizar e, se for o caso, punir. Mas acho que, acima de tudo, penso que um olhar de fora capaz não apenas de enxergar o todo mas de mostrar caminhos e melhores práticas. E é nisso que eu me vejo podendo contribuir. A oferecer um novo caminho, mais bonito e do qual possamos todos nos orgulhar: quem fabrica e quem consome. Acho que a gente precisa deixar de pensar em ‘luta’ ou ‘embate’ e unir esforços para conseguir algo melhor para todos porque no fim do dia os profissionais de marketing têm filhos também. Os industriais também. E tenho certeza de que podem ganhar mais se fizerem o bem. Mais dinheiro inclusive.

As faculdades de publicidade estão investindo em profissionais de publicidade e marketing que pensem na vulnerabilidade das crianças e na necessidade de protegê-las dos conteúdos da mídia, em especial da publicidade? O que você sugere nesse sentido? Acredita que é possível anunciar para os pais os produtos que hoje são anunciados para as crianças?
Eu tenho ido às escolas de comunicação conversar com os jovens que estão ainda nas faculdades e universidades para falar sobre o cuidado que devemos ter com estereótipos normativos e sobre responsabilidade social. E, sim, é possível anunciar para pais e mães. Mas não em horários infantis e em programas infantis. Os softwares de pesquisa de mídia podem indicar os programas com maior afinidade e direcionar os esforços. Acho que devemos também rever ações como o material de ponto de venda e atividades inclusivas das marcas em espaços abertos, mesmo que tenha só experimentação de produtos e não venda.

Você participa de projetos relacionados a uma nova forma de fazer comunicação. Algum projeto atual que tenha atenção especial com relação à infância e à adolescência? Tem vontade de fazer?
Tenho vontade sim, claro. Sou mãe de duas crianças pequenas. Enxergo algumas oportunidades: proteger a infância da publicidade que chega às crianças – seja ela feita para adultos ou crianças; ajudar projetos com foco em diminuir a desigualdade nas áreas de saúde e educação, principalmente; rever brinquedos do portifólio das marcas; fazer programação cultural voltada para as crianças; discutir repertório musical, leituras, vestuário e outros elementos. Também podemos melhorar a autoestima e trabalhar conceitos de diversidade e aceitação das diferenças desde a primeira infância, um trabalho para ser feito em parceria família-escola mas com suporte de todos os agentes da sociedade.

O caso da camiseta da marca do Luciano Huck aponta para a questão das falhas dos profissionais de comunicação mas também a uma visão de que é possível transformar tudo em mercado, inclusive a infância. Você fala da responsabilidade de todos nós com esse caso. Acha que estamos muito ausentes, fazendo poucas críticas ao que vemos por aí, na Tv, na internet, nas ruas? Como podemos agir de forma mais efetiva?
Eu penso que quando um comunicador de carisma erra ele faz o mesmo que qualquer um de nós: erra. Todos erramos. O erro dele é pior pois tem maior alcance. E por isso precisa de uma resposta de maior alcance também. E que gere reflexão. Acho que nós, como sociedade, podemos e devemos cobrar posturas assim. Faria um bem danado à nossa sociedade. O ativismo de sofá das redes sociais pode ter poder, desde que usado da melhor maneira.

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