01 de junho de 2012

“Reflexões sobre o brinquedo e a brincadeira na educação infantil através de diálogos com Gilles…”

Não é objetivo desse texto esgotar as possibilidades de reflexão sobre o uso do brinquedo nas escolas de educação infantil e menos ainda analisar de maneira profunda a contribuição que Gilles Brougére possibilita para o estudo do brinquedo e da brincadeira na nossa sociedade. O que nos propomos é gerar, junto a você leitor, alguns tópicos de reflexão que lancem um novo olhar e possibilitem questionamentos sobre o brinquedo e a brincadeira dentro de nossas unidades educacionais (no que tange aos objetivos, ao espaço e tempo para brincar, a disponibilidade de materiais, etc…).
A idéia que gostaríamos de tratar a título de hipótese é que a presença ou ausência de brinquedos no espaço escolar é decorrente de uma concepção de jogo e de sua utilidade/necessidade atribuída pelo educador para a educação da criança pequena e ainda, que um olhar mais apurado deste educador sobre o ambiente pode trazer-lhe novos desafios para a estruturação de uma pedagogia da infância que efetivamente valorize a brincadeira como meio capaz de tornar-se o eixo condutor de todo processo educativo.

Escolhemos nesse artigo intercalar alguns textos de Brougére com análises da prática educativa presente em grande parte de nossas escolas de educação infantil. Esperamos assim viabilizar um contato inicial com o brincar na educação infantil segundo a perspectiva do autor.
 
Brincadeira enquanto fato social

Para Brougére a brincadeira é fato social:

“ Brincar não é uma dinâmica interna do indivíduo, mas uma atividade dotada de significação social que , como outras, necessita de aprendizagem.”(1998 pag 20)

“A criança pequena é iniciada na brincadeira por pessoas que cuidam dela…. A criança entra progressivamente na brincadeira do adulto, de quem ela é inicialmente o brinquedo, o espectador ativo e depois o real parceiro.” (2001 pag 98 )

“Não existe na criança uma brincadeira natural, a brincadeira é um processo de relações interindividuais , portanto de cultura.” (2001 pag 97)

“É necessária a existência do social, de significações a partilhar, de possibilidades de interpretação, portanto de cultura, para haver jogo.” (1998 pag 30)

“A criança não brinca numa ilha deserta, ela brinca com as substâncias materiais e imateriais que lhe são propostas. Ela brinca com o que tem na mão e com o que tem na cabeça.” (2001pag 105)

“Dispor de uma cultura lúdica é dispor de um certo número de referências que permitem interpretar como jogo atividades que poderiam não ser vistas como tal por outras pessoas.” (1998 pag 24)

Se pensarmos a conseqüência dessa concepção de brincadeira enquanto aprendizagem social, veremos que todo contexto que envolve a criança (seja de relações, de imagens, de materiais, etc…) influi na formação de sua cultura lúdica, da qual ela não é um mero receptor mas um agente á medida que a modifica e é modificada pelo todo social.

Nessa perspectiva o brincar aparece como forma de integração da criança na sociedade e passa a reclamar um lugar mais significativo em nosso currículo do que o que ocupa até o momento (geralmente como distração ou descarga de energia excessiva da criança).

O brinquedo, a brincadeira, o espaço e o tempo de brincar, as experiências anteriores dessa criança formam um todo determinado por G. Brougére como cultura lúdica:

“A cultura lúdica não está isolada da cultura geral. Essa influência é multiforme e começa com o ambiente, as condições materiais”.(1998 pag 27)

“A cultura lúdica é antes de tudo um conjunto de procedimentos que permitem tornar o jogo possível. O jogador precisa partilhar dessa cultura para poder jogar”.(1998 pag 24)

Se entendermos a cultura lúdica enquanto construção do indivíduo dentro de um determinado meio perceberemos que influências como a cidade desse indivíduo, suas experiências anteriores , a idade e principalmente o sexo influirão nessa construção. A criança usa elementos da cultura porém dá a eles significações individualizadas de acordo com suas experiências anteriores.

O desenvolvimento da criança determinará também algumas experiências possíveis em relação ao brincar , mas não produz por si mesmo a cultura lúdica ( se assim fosse se brincaria igualmente em todos os lugares do mundo).

Portanto, pela brincadeira a criança mostra-se como membro de uma sociedade que possui características e valores próprios, dos quais ela se apropria mas também sobre os quais ela exerce influência.

Mesmo essa pequena análise da construção da cultura lúdica pela criança nos remete para a importância do educador conhecer e reconhecer na brincadeira os elementos culturais dos quais ela se serve e, a partir dessa leitura mais pormenorizada, poder fornecer a criança os meios (materiais ou não) para o aprofundamento da brincadeira , particularmente no que se refere ao jogo simbólico.

 

Brinquedo e brincadeira

A análise que Brougére propõe sobre o brinquedo e seus usos , parte inicialmente da clareza com que diferencia o brinquedo (objeto) da brincadeira (ato de brincar/função simbólica) diz ele:

“…A brincadeira escapa a qualquer função precisa…O que caracteriza a brincadeira é que ela pode fabricar seus objetos, em especial , desviando de seu uso habitual   os objetos que cercam a criança “ (2001 pag 13)

“O brinquedo é acima de tudo um dos meios de desencadear a brincadeira.Porém, a brincadeira escapa em parte do brinquedo.” (2001 pag 21).

Fica claro nessa colocação que a brincadeira transcende o brinquedo porém, em diferentes publicações o autor enfatiza a importância do material adequado para o suporte e desenvolvimento proveitoso da brincadeira e seu aprofundamento. A limitação de materiais para o brincar existente na maioria de nossas unidades educacionais voltadas a primeira infância, em nada auxilia o desenvolvimento da capacidade criativa dessa criança.
Sobre esse tema Brougère menciona:

“ Parece que a idéia segundo a qual a pobreza material é vetor de riquezas imaginárias da brincadeira , é um mito. A brincadeira infantil em seu conteúdo imaginário e narrativo parece se enriquecer grandemente com suportes variados e coerentes colocados á sua disposição. “ (2001pag 82)

“A qualidade do jogo não é resultado puramente da criatividade infantil mas da conduta da classe e das propostas em termos materiais“.(1994 Apag 9)

“O brinquedo é mais que um instrumento de brincadeira. Ele traz para a criança não só um meio de brincar, mas também imagens, representações, universos imaginários. Ele estrutura o conteúdo da brincadeira sem, no entanto, limitar a criança.” (200 pag 831)

“ A qualidade dos jogos (importância da relação entre as crianças , atos adaptados a situação encenada) depende diretamente do material disponível e de sua organização. (1994 Apag 9)

Essa idéia de brinquedo enquanto sustentáculo da brincadeira , como forma de tornar possível seu aprofundamento e por conseqüência suas possibilidades de aprendizagem em diferentes âmbitos , nos remete a muitos questionamentos sobre os materiais de nossas escolas tais como:

– Que brinquedos estão disponíveis em nossas escolas? Em que quantidade? Como é o acesso das crianças a ele?

– Quais as demandas das crianças em relação a materiais para suporte e ampliação de suas brincadeiras? Os brinquedos que oferecemos são os desejados?

– Que papel assume o brincar na educação da primeira infância hoje em nossas escolas?

Inúmeras outras questões poderiam ser elencadas mas, por trás de todo panorama estrutural (contexto material, postura do educador frente ao brincar espontâneo, horário e tipo de brincadeira proporcionada pela rotina, etc…) está uma concepção de educação que privilegia ou não o brincar enquanto maneira peculiar de construção de conhecimentos nessa faixa etária.

Nessa perspectiva nós educadores temos que estar atentos a nossas concepções e, remexendo velhas certezas, gerar desequilíbrios que nos levem a estudos mais aprofundados nessa área . As obras de Brougère são um excelente meio de reflexão nesse sentido:

“O contexto material proposto as crianças também pode ser considerado como um quase-discurso sobre o jogo e seu lugar. O jogo da criança se desenvolve em relação ao que lhe oferece o meio. Jogar é sempre manipular elementos preexistentes quer sejam materiais ou imateriais (imagens) Os adultos são diretamente responsáveis pelos ambientes de jogo, inclusive quando esse meio não contem algum elemento lúdico específico.” (2001)

“A construção do estoque da escola maternal está ligada ao significado atribuído aos diferentes brinquedos. Nem todos tem o mesmo valor e precisamos compreender como essa lógica se efetua.” (2004 pag 226)

Para o autor a própria escolha de um material em detrimento de outro já e uma forma de exprimir os valores que a escola e o educador possuem em relação a aprendizagem e a brincadeira.

Nas escolas maternais francesas, que nesse aspecto diferem pouco das nossas, o autor levantou algumas características dos materiais disponíveis para a brincadeira nessa faixa etária. Colocamos aqui, muito sinteticamente, alguns aspectos desse levantamento:

– “os professores parecem preferir os jogos simples com os quais a criança pode brincar sozinha”. (2004 pag 228)

– existe um maior número materiais relacionados a motricidade fina e a aprendizagem de conteúdos, como alfabetização e noções matemáticas, do que os destinados a construções simbólicas e imaginárias (esse dado é progressivamente maior quanto maior a idade das crianças)

– “parece que os cantos com jogos de construção tem uma função de desencargo, pois permite liberar a professora que, assim, pode ocupar-se de outros grupos. “ (2004 pag 228)

– existem pouquíssimos materiais para brincadeiras de guerra ou bonecos fantásticos advindos do universo da mídia nas escolas. Brinquedos de guerra não estão presentes em mais de 95% das salas de aula.

– existe um maior número de brinquedos adaptados ao tamanho da criança (onde a criança é o ator na brincadeira/jogo de personagem) do que brinquedos miniaturizados e de manipulação (onde a criança age como autor dos roteiros e organizador do contexto/jogo de disposição e organização).

– “Os brinquedo femininos evocam maciçamente o universo familiar (cuidado com o bebê, trabalhos domésticos e universo de férias) .Os brinquedo masculinos são marcados por temáticas que não pertencem ao lar, desde o carro que permite sair de casa, até os universos profissionais e a aventura da qual a guerra, sem dúvida, é o arquétipo , com uma importância concedida ao mundo intergalático e á fantasia .” (2004 pag 294)

– os brinquedos considerados “pedagógicos” aparecem na escola em número muito maior do que os demais tipos (como aqueles geralmente usados para a brincadeira fora do contexto escolar).
Cada aspecto aqui mencionado é capaz de gerar longas e frutíferas discussões sobre qual a visão de educação que lhe fornece respaldo. Ficam aqui alguns questionamentos para sua reflexão:

– brincar com bonecos-soldados, armas etc… gera crianças mais agressivas? A criança usa a brincadeira de guerra como catarse de seus medos ou como forma de interpretar a realidade? A criança sabe diferenciar fantasia de realidade?

– na escola a brincadeira tem que sempre assumir a função educativa e isso pede que os brinquedos devam estar , em sua grande maioria, voltados para questões de conteúdos curriculares específicos? Que conteúdos?

– as atividades de faz-de-conta trazem para a criança os mesmos desafios que os jogos, os brinquedos de montar, os brinquedos miniaturizados etc….? Quais desses tipos de suportes materiais devem ser privilegiados na educação infantil?

– a brincadeira livre tem espaço destinado no planejamento e rotina ? Com que freqüência se brinca na escola ? A brincadeira surge apenas para cobrir espaços de tempo ociosos?

– a televisão com seus bonecos e temas de cunho fantástico limitam ou ampliam a brincadeira da criança?

Não nos deteremos aqui em longas considerações pois, como já dissemos, nosso objetivo é apenas convidar você leitor a mergulhar numa jornada de reflexão sobre o brinquedo e a brincadeira em nossas escolas hoje.

 

O brinquedo de casa na escola

Falamos um pouco sobre os brinquedo presentes na escola mas outro aspecto importante é nos determos aos brinquedos que vem para a escola (nas mãos, bolsos e mochilas das crianças) e que geralmente são vistos como vilões pelo professor pois gerariam em seu dono ou até mesmo todo o grupo de crianças dificuldades de concentração para as tarefas “ sérias” que deverão realizar.

Outro ritual comum em nossas escolas e sobre o qual podemos refletir, é a fatídica sexta-feira do brinquedo (onde cada criança pode trazer para escola um brinquedo de casa) Esse dia costuma ser para muitos pais, educadores e crianças um dia de altíssimo stress (medo de perder, de quebrar, falta de experiência das crianças em fazer as negociações necessárias quanto as regras de utilização ou concessão do material para os demais, etc…) no final, o que seria um dia feliz pode transforma-se numa jornada de infortúnios.

Brougère tece alguns comentários a respeito dos brinquedos vindos de casa:

– “o pequeno brinquedo de bolso chega freqüentemente as escolas, seja qual for a idade da criança . Ele será exibido na escola, no corredor, quase sempre as escondidas e será , as vezes, objeto de cobiça, gerando luta por sua posse…. longe de serem rejeitados esses pequenos brinquedos podem ser aceitos na escola e utilizados como assunto em pauta.” (1994 Apag 4)

– “A criança tem poucas possibilidades de possuir de verdade, a tal ponto os outros objetos que lhe dizem respeito podem ser submetidos ao controle do adulto….O brinquedo permite a posse real, que pode ir, em alguns casos até a destruição, a dádiva, a trocas.” (2004 pag 251)

– “A criança passa assim, pela experiência de posse e das negociações necessárias com os outros, diante do desejo de utilização.” (2001 pag 67)

– “Antes de ser possuído o brinquedo foi escolhido, comprado, oferecido.Através do brinquedo a criança se situa no universo de consumo”.(2001 pag 67)

Diante dessas análises percebo que em nossas escolas fala-se muito que a aprendizagem se constrói sobre experiências adquiridas em tentativas sucessivas, reforça-se que a interação é um fator de aprendizagem que se realiza no grupo social   e que deve ser estimulada em todos os aspectos possíveis. Podemos então, a partir desse discurso tão sucessivamente proferido, levantar algumas questões:

– Por que o brinquedo da criança (seu objeto de orgulho, afeição, etc…) não pode ter livre entrada na escola?

– Sabendo estar o brinquedo na mochila e tendo a necessidade de controlar o desejo e retardar seu uso (respeitando regras e combinados construídos pelo grupo) não é exercício de disciplina e auto-controle significativo para a criança dessa faixa etária?

– A tão almejada interação social não seria alavancada com as necessárias negociações entre as crianças sobre os usos dos brinquedos dos colegas (estabelecendo entre si regras e combinados para a utilização, organização, etc…)?

– Por que é na sexta-feira e geralmente no fim do período de aula que se deixa brincar com esses brinquedos vindos do lar ? Será porque já se considera a semana de trabalho “séria “ terminada ou apenas uma “coincidência” ?

– Por que não de segunda a sexta?

Novamente aqui verifica-se que por trás dessas decisões quase sempre tomadas “sem perceber” ou “por rotina” existe uma concepção de educação e de brincadeira por parte do educador, esteja esta concepção clara, implícita ou seja ela até mesmo inconsciente. Desvenda-la é função do educador que pretende de maneira séria preocupar-se com a infância dessas crianças e sua cultura.

 

O que a criança faz com jogos e brinquedos é   sempre   brincadeira?

Brougère coloca claramente em suas obras que quando não existe por parte da criança o poder de decisão sobre a brincadeira ( sobre do que brincar, a que momento, com que material entre os disponíveis e com sua definição de quais as regras que nortearão esse processo ) não existe na verdade a brincadeira mas uma atividade de ensino, disfarçada de lúdica pelo educador , como forma de seduzir a criança e apresentar-lhe conteúdos específicos de diferentes áreas em forma de “jogo”. O aspecto lúdico da atividade serve portanto como maneira de atrair a atenção e o empenho da criança para a situação de ensino planejada pelo professor (com claro objetivo de tratar conteúdos específicos eleitos por ele como importantes).

Quero ressaltar então que a brincadeira destituída de suas principais características (liberdade de tomada de decisão, entrada em situação imaginária, prazer, privilégio do processo em relação ao produto final,regras acordadas entre os que brincam ) não pode portanto ser considera como brincadeira no sentido definido por Brougère.

Essa concepção de brincadeira nos remete a refletir sobre nossas escolas de educação infantil hoje, e em que medida realmente permitimos que a criança brinque ou, se nosso grande número de limitações (de tempo, de material, de tipos de brincadeiras permitidas ou não,etc…) não acaba por relegar a brincadeira efetiva apenas ao parque da escola ou a casa dessa criança , desvinculando-a de todo processo pedagógico cotidiano.

Outro fator a ser considerado é que nem sempre o que é brincadeira para o adulto, o é para a criança. Assim coloca Brougère:
“As crianças exploram os brinquedos como o fazem com outros objetos do ambiente.Se uma parte dessa exploração é um prelúdio, uma preparação para a brincadeira, em alguns casos a relação com o brinquedo para por ai. O brinquedo não passa de uma parte do ambiente a ser descoberto, sem desencadear uma atividade lúdica.” (2004 pag 255)

Treinar o olhar sobre o que é ou não brincadeira para a criança é nossa primeira tarefa pois só a partir daí poderemos , com clareza de objetivos , buscar maneiras de intervir na brincadeira espontânea da criança (seja com matérias ou posturas) visando valoriza-la e lhe possibilitando desdobramentos e aprofundamentos como sem dúvida deve ser nossa intenção.

Entendendo o brincar espontâneo da criança como dotado de valor educativo significativo e pensando em proporcioná-lo , precisamos então refletir sobre os critérios de seleção e organização dos materiais que estão sendo utilizados em nossas escolas. Olhar o estoque de brinquedos presentes em nossas escolas e o seu uso no dia a dia é fundamental quando pensamos em fazer da brincadeira mais do que um passatempo ou um elemento de “descarga de energia “ da criança ou ainda como indo além de uma forma de liberação do professor para realização de outras tarefas.

Brougère diz que não existe uma educação espontânea , sempre o adulto está construindo uma ação educativa e essa construção ocorre de acordo com a concepção que ele tem de criança e de sua maneira peculiar de aprender, bem como dos limites/possibilidades de aprendizagem que ele acredita fazerem parte do desenvolvimento dessa criança.

As intervenções então, sempre partirão dessas suas premissas anteriores e farão toda a diferença no processo de planejamento, execução e avaliação da ação educativa. Isso também se aplica aos ambientes proporcionados por ele a criança, diz o autor:

“O material pedagógico parece estar entre a prática e os discursos. Como os primeiros, ele é significativo, traduz a escolha dos pedagogos e o valor embutidos naquele objeto. Ele também orienta práticas e lhes dá suporte e constituem o meio material onde essas práticas vão se desenvolver.   Escolher um determinado material é exprimir valores, envolver-se em uma lógica pedagógica como vimos, através daquilo que é eleito e daquilo que é eliminado.” (1999 pag 18 )

O autor coloca ainda que na maioria das vezes a escolha do material disponibilizado não respeita aos interesses/necessidades de quem brinca, quer por não ser submetido a uma negociação na escolha pela criança do que estará acessível , quer pela falta de olhar sensível do educador para a construção da cultura lúdica da criança ou ainda pelos próprios objetivos que este elege para a atividade. Segundo ele, e nisso podemos generalizar para nossas escolas, a participação da criança geralmente fica restrita ao cumprimento das regras de utilização e de arrumação do material determinadas pelo professor.

Mas, desde que já valorizemos o brincar dessa criança, o que poderíamos fazer então para o brinquedo(material) entrar em nossas escolas de maneira menos equivocada?

O autor relata em seu texto Intrusos na Escola (1994 A) que uma pesquisa realizada em Quebec levantou 4 critérios básicos para a seleção e organização do material disponibilizado para a criança, que poderiam ampliar as possibilidades de brincadeira efetiva, principalmente no que tange a sua diversificação e aprofundamento.

São eles:

1) gerenciamento lógico da mobília (arrumação e organização coerentes dos cantos ou espaços destinados ao brincar)

2) diversificação de papéis propostos (dispor o material de modo que evite limitar o papel da criança no jogo a uma só atuação)

3) presença de material completo para os cenários, com acessórios que permitam reiniciar o jogo (vários materiais pertinentes e significativos ao contexto do jogo simbólico costumam ampliar o envolvimento da criança e aprofundar a brincadeira)

4) divisão dos ambientes, isolamento levando a uma intimidade do ambiente (a criança, em alguns jogos busca formar uma ambientação isolando seu espaço ou demarcando-o. o professor pode buscar maneiras de propiciar isso com tecidos, biombos, divisórias de papelão, etc….)

Gostaria agora de propor algumas questões para que , olhando nossas salas e escolas de educação infantil, iniciemos o treino do olhar sobre os materiais que disponibilizamos para o brincar da criança e para as propostas que elegemos para essa atividade:

– Qual o objetivo que é eleito quando a atividade é o brincar?

– Brincar gera aprendizagens? Quais? De que tipo?

– O brincar livre está na rotina da classe? Quanto tempo a ele é destinado?

– Com que freqüência se brinca na escola? Onde? Com que materiais?

– Os jogos e materiais disponíveis em sala estão mais voltados a manipulação individual ou visam a interação da criança e o jogo simbólico de distribuição de papéis?

– Quem escolhe a brincadeira? E os materiais que ela utilizará?

– Existem materiais em igual quantidade e diversidade para contemplar o universo lúdico de meninos e meninas?

– Que brinquedos não são admitidos nas salas de aula? Por que?

– Existem diferenças entre os brinquedos existentes na escola e na casa das crianças? Que diferenças ? Por que elas aparecem? O que as justificam?

– Os chamados jogos pedagógicos existem em maior número que os destinados a simbolização? Por quê?

– Qual o espaço dado ao brinquedo trazido de casa pela criança para a escola?

– Estuda-se o brincar e suas implicações em momentos de encontros de professores ou outras jornadas de formação? Seria importante haver esse estudo?

– Como a família vê o brincar na escola de educação infantil?

 

Muitas outras questões nos poderiam ser sugeridas pela leitura do referencial teórico proposto por Gilles Brougère, essas questões são fundamentais para o avanço de práticas que realmente valorizem o brincar em nossas unidades educacionais.

Cabe a cada um de nós buscar caminhos de reflexão e desenvolvimento pessoal e profissional. Espero que tenha ficado claro que não viemos aqui fornecer respostas, mas gerar questionamentos pois entendemos que só a reflexão efetiva sobre nossa prática pedagógica e nosso fazer cotidiano podem reestruturar antigas concepções e gerar avanços no sentido de uma pedagogia que efetivamente valorize a cultura da infância.

Gostaria de encerrar esse nosso “diálogo” com um trecho de Gilles Brougère que , a meu ver, sintetiza boa parte do que o autor pensa sobre a educação da criança na primeira infância o papel da escola frente a brincadeira:

“ Freqüentemente , os brinquedos em algumas de suas formas, só são tolerados na escola maternal como concessão aos mais jovens, fortalecendo a idéia de que a brincadeira deve ser dirigida sempre aos menores. Assim, o envolvimento do educador diminui, a atividade lúdica torna-se uma atividade de descongestionamento, que tem como objetivo liberar o educador para que ele possa executar outras tarefas consideradas mais sérias. No entanto, pudemos observar o quanto o brinquedo pode ser um suporte através do qual a escola maternal pode vir a atingir grande parte de seus objetivos , desde que o educador realmente se envolva e se dedique a observação e gerenciamento do espaço em questão: a sala de aula.” (1994 Apag 11)

Acredito que se faz urgente pensar uma educação para a infância com novas características e , nesse sentido , se faz primordial refletir sobre o brincar com suas possibilidades e dificuldades.

Ver a escola de educação infantil com os olhos da criança sem perder a perspectiva de educador pode ser uma das vias para valorizar a brincadeira e o brinquedo em nossas unidades educacionais.

Bibliografia

BROUGÉRE,Gilles. Brinquedo e Cultura. Traduzido por Gisela Wajskop. 4 ed.São Paulo, Cotez,2001.

 

__________________.Jogo e Educação.Traduzido por Patricia Chittoni Ramos.São Paulo, Artmed, 2003.

 

__________________.A Criança e a Cultura Lúdica in O Brincar e suas Teorias. Kishimoto T.M.(organizadora).São Paulo:Pioneira,1998

 

__________________. Brinquedos e Companhia .traduzido por Maria Alice ..Doria..São Paulo, Cotez,2004.

 

__________________,Anno,Laurence , Intrusos na Escola. Seminário Pedagógico Internacional- Brinquedos e Brincadeiras na Educação Infantil, limites e possibilidades.. Promovido por Associação das Escolas Particulares. São Paulo.15 a17/9/1994 (A) Texto traduzido por Suzana Vidigal.

 

__________________,Ambiente Material, Jogos e Educação Pré-Escolar . Seminário Pedagógico Internacional- Brinquedos e Brincadeiras na Educação Infantil, limites e possibilidades. Promovido por Associação das Escolas Particulares. São Paulo.15 a17/9/1994 (B) Texto traduzido por Suzana Vidigal.

 

___________________, O Significado de um Ambiente Lúdico , a escola maternal através de seu material lúdico. Nuances, Revista do curso de pedagogia . Faculdade de Ciências e Tecnologia UNESP . V 5, nº5 , 1999. Presidente Prudente

 

Autor: LABRIMP

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