23 de junho de 2017

Seminário em BH discute o direito da infância ao espaço urbano

Desirée Ruas, da Rebrinc, fala sobre o incentivo ao consumismo infantil no espaço urbano. Fotos: Rebrinc

Como está a relação das crianças com a cidade? Qual é o espaço dedicado ao brincar, direito fundamental das crianças? O que precisa ser feito para que a infância tenha seu espaço garantido nos centros urbanos? Perguntas que inquietam e inspiram educadores e ativistas pela infância serviram de base para as conversas do I Seminário Infância – A Criança e a Cidade. O evento aconteceu nos dias 15 e 16 de junho de 2017 em Belo Horizonte e foi realizado pela casa de brincar Aldeia Jabuticaba, em comemoração ao seu primeiro ano de existência.

O direito ao brincar

Sem espaços adequados para brincar, as crianças têm seu desenvolvimento prejudicado. A psicanalista Pollyanna Xavier, idealizadora do seminário, explica que a criança brinca daquilo que ela está precisando elaborar. “Duas necessidades para o desenvolvimento pleno da criança são: tempo e espaço. Uma cidade com muitas restrições ao direito de brincar da criança limita o desenvolvimento de meninas e meninos”, explica.

“A criança é um ser social. Não permitir que ela esteja em certos lugares também é grave. Isso só vale quando for para protegê-la”, esclarece Pollyanna, lembrando de espaços, como restaurantes, que proíbem a presença de crianças. Em outros espaços da cidade não existe a proibição mas as condições afastam a infância. A violência, a deficiência do transporte coletivo, o excesso de veículos nas ruas são fatores que prejudicam a interação das crianças com a cidade. “Precisamos mudar essa realidade e também flexibilizar as regras para permitir que elas possam circular, correr, brincar, tocar em todos os lugares possíveis, sugere Pollyanna, ao falar da importância da criança vivenciar a cidade e seus espaços de cultura, lazer e aprendizado.

“Estamos decidindo o tempo todo o que é bom para a criança mas será que podemos ouvir o que elas querem de fato? Estamos avançando em políticas e instrumentos jurídicos para a proteção da infância mas as leis não são suficientes. As crianças precisam ser protagonistas”, lembra Pollyanna. “Temos vários movimentos repensando a cidade mas raramente encontramos movimentos com um olhar para a infância em Belo Horizonte”, avalia a psicanalista.

O lúdico nos espaços públicos

Durante o evento diversos atores ligados à causa da infância falaram sobre a ocupação da cidade, sobre o lúdico e sobre iniciativas importantes da capital mineira. Flávia Pellegrini, uma das idealizadoras do movimento Na Pracinha, também estava presente. Ela contou sobre a experiência do Na Pracinha de levar famílias para conhecer e brincar em diversos espaços da cidade. “Se a gente não ocupar os parques e as praças com as crianças e suas famílias, eles vão ser ocupados para outros fins”, reforçou Flávia.

O brincante Rodrigo Libanio Christo ensina brincadeiras e músicas tradicionais

O estímulo ao lúdico esteve na pauta do encontro. O contador de histórias Pierre André e o brincante Rodrigo Libanio Christo, do projeto Voluntários Brincantes, também contribuíram com o Seminário com contos e brincadeiras tradicionais. Cantigas de rodas e brincadeiras coletivas foram vivenciadas pelos participantes do evento como lembrança de que é possível realizar muitos tipos de atividades lúdicas com grupos pela cidade.

Isaac Luís e Juliana Daher levaram a música e as brincadeiras do Brasil e de outros países para o evento. Os dois são da Companhia Pé de Moleque e promovem o lúdico, a arte e a cultura, como rodas e cantigas, também em espaços públicos. “É fundamental discutir a estruturação de uma cidade mais lúdica, mais receptiva às crianças para os diferentes atores que atuam no campo das infâncias. No seminário, vivenciamos momentos preciosos de troca. Brincamos juntos, conhecemos pessoas de diferentes realidades, porém, movidos por um desejo em comum: o de fomentar o protagonismo das crianças, desvencilhado de amarras midiáticas, com um enaltecimento da cultura da infância, que é constituída por brincadeiras e jogos, pelas linguagens artísticas que “bebem” na fonte da imaginação”, enfatizam Isaac e Juliana.

Para Cícero Silva, arte-educador e palhaço, também conhecido como Titetê, a ideia da aldeia nos remete ao sentimento de pertencimento e o lúdico por meio das brincadeiras e cantigas tornaram o evento uma experiência única. Titetê falou também da importância de termos mais homens participando de momentos de reflexão sobre a infância. “Me incomoda ser homem e perceber que a preocupação com a criança ainda é vista como assunto de mulher. Enquanto isso, buzinas e freadas tornam a cidade um lugar austero para as crianças. As ações vividas durante o seminário nos remetem à circularidade da vida e à necessidade de olhar para os pequenos”, avalia Titetê.

Consumismo na cidade

Desirée Ruas, jornalista e integrante da Rede Brasileira Infância e Consumo, falou sobre a importância de ficarmos atentos aos apelos para o consumo sobre as crianças nos espaços urbanos. “Seja a panfletagem na porta da escola ou a invasão de marcas em praças e parques, precisamos ver a cidade, suas vias, sua arquitetura e suas áreas verdes como um direito de adultos e crianças”, defende. “Os movimentos em defesa do verde na cidade, como o Salve a Mata do Planalto e o Parque Jardim América, estão aí para reforçar a importância da relação da criança com a natureza nos centros urbanos. São movimentos extremamente necessários para a preservação das últimas áreas verdes de Belo Horizonte pensando nas crianças de hoje e as que virão”, lembrou a educadora ambiental.

Oficina para observação do espaço urbano durante o Seminário A Criança e a Cidade

Desirée também apresentou a plataforma A Criança e o Espaço – A Criança e o Meio Ambiente da Rede Nacional Primeira Infância. Por meio dela é possível encontrar formas de pressionar o poder público para viabilizar o bom desenvolvimento infantil nas cidades. Segundo o projeto, o  bem-estar infantil depende de um ambiente saudável e a garantia de muitos direitos das crianças está relacionada à adequação dos espaços onde elas vivem e frequentam nos municípios. O projeto possui um livro digital e está dividido em eixos: Espaços para brincar, educação e cultura; Interação das crianças com a natureza; Mobilidade e circulação; Moradia e saneamento e Participação infantil.

Brincar urbano

A arte-educadora Cristina Braga, do Instituto O Pequeno Pajé, falou sobre as características do brincar urbano como jogar bola, soltar pipa e pular amarelinha desenhada no asfalto. “Após a brincadeira, os rastros da ação dos meninos e meninas ficam ali marcados no chão. E tem brincadeira que precisa do asfalto e do meio-fio. Brincadeiras que existem por causa do limite e da ausência”, explicou. “As forças e o caráter desafiador do brincar nas ruas são incríveis: apesar de ser tradicionalmente o lugar dos carros as crianças estão lá para demarcar o seu território e seu direito ao brincar” enfatiza Cristina. Para ela, o brincar urbano é um ato político. “A rua também é minha. E brincar na rua exige muita inteireza e estado de alerta. Um olho na bola e outro no carro que pode surgir”, ressalta Cristina.

Também participaram do evento com atividades de rodas rítmicas Maria Lúcia Santiago, do Vamos Brincar; e Mariana Lacerda e Larissa Porto, da Manto Infância, contando suas experiências de atividades lúdicas pela cidade. A Aldeia Jabuticaba faz parte da Rede Brasileira Infância e Consumoe colabora com ações em defesa da infância em Belo Horizonte.

(Fonte: Rede Brasileira Infância e Consumo – http://rebrinc.com.br)

voltar