27 de setembro de 2016

A antipatriótica opção da PEC 241 para o ajuste fiscal e a retomada do crescimento, por Vital Didonet

nao-a-pec2A reação à proposta de Emenda à Constituição – PEC 241, está crescendo, partiu de especialistas em contas públicas, mobilizou organizações da sociedade civil, chegou às escolas, aos centros de saúde, às redes sociais e tende a ser forte nas ruas. A reação parte de duas constatações graves:  A PEC 241

(a) “é um escandaloso esquema de transferência de recursos públicos para o setor financeiro privado” – Maria Lúcia Fatorelli ([1]) e

(b) fecha os olhos para direitos fundamentais e inalienáveis dos cidadãos à saúde e à educação e que, para crianças e adolescentes, têm que ser assegurados com absoluta prioridade (Art. 227 da Constituição). Ela quer suspender a condição (financeira) de o Estado cumprir seu dever.

O NRF

  • não mexe nos estratosféricos pagamentos de juros da dívida (quem se beneficia com eles?) nem na origem da dívida atual;
  • não menciona mecanismos de coibir a sonegação fiscal (não são os pobres que sonegam) e
  • silencia sobre as bilionária renúncia fiscal já existente (proíbe aprovar leis que criem nova renúncia, o que é boa medida).
  • Mas congela educação e saúde por vinte anos.

Se essa PEC for aprovada assim como está, quem deseja mais e melhor EDUCAÇÃO e SAÚDE terá que esperar vinte anos, pois ela determina o congelamento do orçamento da União até 2036 para esses dois setores com base no que for gasto em 2017 (a correção será apenas pelo IPCA do ano anterior, que marca a inflação. Isso não é aumento, e sim correção nominal do valor real). Para as outras despesas, o teto será o gasto em 2016. Eis o que diz a PEC:

“Art. 104. A partir do exercício financeiro de 2017, as aplicações mínimas de recursos a que se referem o inciso I do § 2º e o § 3º do art. 198 e o caput do art. 212, ambos da Constituição, corresponderão, em cada exercício financeiro, às aplicações mínimas referentes ao exercício anterior corrigidas na forma estabelecida pelo inciso II do § 3º e do § 5º do art. 102 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.”

Os profissionais que trabalham na área dos Direitos da Criança, os professores de educação infantil terão que conviver, nas próximas duas décadas, sem um centavo a mais do que tiveram em 2016 ou 2017. Nem sequer será aplicado o percentual mínimo de 18% sobre a arrecadação de impostos da União para a educação nem o percentual mínimo para a Saúde (conforme determinam os art. 212 e 198 da Constituição Federal, que ficarão suspensos até 2036).

Em pequeno exercício: Pegue sua idade, some vinte anos e veja quantos anos você terá quando a educação e a saúde começaram a ter mais recursos do que terão tido em 2017.  Dá para esperar?

Quem for favorável à PEC 241 avise seus filhos, os netos, os amigos de seus filhos, as crianças da periferia, as gestantes, os adolescentes, os trabalhadores, os idosos… que eles terão que se contentar, durante vinte anos com os serviços atualmente restados e que as únicas melhorias se darão por força da melhoria de gestão. Mas os salários dos profissionais também estarão congelados até 2036.

 

Gabriela Mistral é sempre atual:

Muchas de las cosas que necesitamos pueden esperar.

Los Niños no.

Justo ahora es el momento en que sus huesos se están formando,

Su sangre se está elaborando

Y sus sentidos siendo desarrollados.

A él no podemos responder “Mañana”.

Su nombre es “Hoy”.

 

Como melhorar a educação infantil e atender a demanda por creche? Como implementar as novas determinações do Marco Legal da Primeira Infância para a saúde, o brincar, o acesso à cultura, se os recursos estarão estacionados no patamar de 2017?

Que tal se, em vez de ferir direitos fundamentais da pessoa, se propuser congelar o pagamento dos juros da dívida, baixar a taxa SELIC para que a dívida do País deixe de crescer tão assustadoramente ano após ano, aprovar as medidas de combate à corrupção e rever as leis que criaram renúncia fiscal?

Sim…

… se o Brasil não voltasse a crescer, se a economia continuasse descendo o cerro, se a arrecadação de impostos não aumentasse, claro que os 18% para a educação e os 13% para a saúde não cresceriam, porque eles são calculados sobre o montante de impostos arrecadados. Porém, nesse caso, não precisaria o congelamento.  O governo sabe e nós sabemos que a economia voltará a crescer e a educação e saúde teriam mais recursos. Por isso introduziu o art. 104 na PEC 241, especificamente para suspender a vigência dos mínimos constitucionais para a saúde e a educação.

Finalmente, A PEC coíbe qualquer tentativa popular de reaver o que deixou de ser aplicado na saúde e na educação nos anos em que o País teve progresso na economia (mais impostos arrecadados). Veda, também, qualquer tentativa do Congresso Nacional de alterar o texto dessa emenda. Aquele dinheiro teve outro destino e será irretornável:

Art. 105. As vedações introduzidas pelo Novo Regime Fiscal não constituirão obrigação de pagamento futuro pela União ou direitos de outrem sobre o erário.

Por isso a reação da sociedade, de deputados, deputadas, senadores e senadoras que estão do lado do povo e defendem a saúde e educação como dever do Estado e direito de todos conseguirá alterar o artigo da PEC 241 que decreta congelamento do orçamento dessas duas áreas.

Observemos os dois quadros abaixo.

Orçamento Geral da União, 2009, por função. Total: R$ 1,068 trilhão

 

quadro-1

 

 

Fonte: SIAFI. Elaboração: Auditoria Cidadã da Dívida. Não inclui o “refinanciamento”

Em 2009, conforme o quadro, os juros e amortizações consumiram 35,56% do Orçamento Geral da União; a saúde recebeu dele apenas 4,64%; a Assistência Social, 3,09% e a Educação, 2,88%. (Observação: os percentuais mínimos constitucionais para a educação e a saúde não são calculados sobre toda a disponibilidade do Orçamento, mas sobre a arrecadação de impostos). Os dados do segundo quadro são ainda mais estarrecedores. Em 2014, também segundo dados do SIAFI, aos juros e amortizações foram destinados 45% do Orçamento e apenas 3,5% para a Saúde e 3,08% para a Assistência Social. Para 2015 foram destinados 47% para juros da dívida, 13 vezes o orçamento da Saúde.

 

Receitas e Despesas Federais em 2015

A primeira coluna do quadro a seguir mostra as Receitas Federais em 2015 e a segunda, as Despesas Federais no mesmo ano.

 

quadro-2

 

Naquele ano, foram destacados R$ 906,21 bilhões para pagar os juros e amortizar a dívida; R$ 203,21 bilhões foram transferidos aos Estados e Municípios (FPM e FPE), R$ 88,6 bilhões destinados à educação; R$ 69,19 à Assistência Social, R$ 93,06 à Saúde e R$ 514,49 à Previdência Social.

Se considerarmos quanto Educação e Saúde representam no orçamento da União e quanto os juros e amortização da dívida engolem desse orçamento, surge a pergunta: que tão grande contribuição o congelamento da educação e da saúde traria para o “ajuste fiscal”?

É importante debruçar-se sobre as origens da dívida, as leis que a protegem, como e porque ela cresce exponencialmente e quem são os beneficiários dela.

Em anexo Power Point da fala da Dra. Maria Lucia Fatorelli na Audiência Pública sobre a PEC 241 na Câmara dos Deputados em 12 de setembro de 2016.  O slide nº 5 mostra que a Auditoria da Dívida Pública no Equador conseguiu reduzir o serviço da dívida – em milhões de dólares – de US$ 3,78 bilhões para US$ 2,36 e aumentar o gasto social de US$ 1,93 para US$ 4,97.

Em resumo: não é sufocando a saúde, a educação, os salários e outros gastos sociais que o Brasil vai voltar a crescer. A rachadura do casco é em outro lugar… Por isso, não à PEC 241.

Aos que quiserem debruçar-se sobre as razões porque a dívida só tende a crescer e porque ela é alimentada por juros sobre juros, sugiro ver/ouvir a palestra da Dra. Maria Lúcia Fatorelli, na Comissão de Seguridade Social e Família, da Câmara dos Deputados (disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=R0ul_npVJQg&feature=youtu.be)

Os seguintes artigos, entre muitos outros, ajudam entender o que está por trás do Novo Regime Fiscal, da PEC 241, ao preservar do congelamento os juros e a reverência à dívida pública:

 

1. Voto em separado, do dep. Ivan Valente ao Relatório da CPI da Dívida, em: http://www.auditoriacidada.org.br/relatorios-da-auditoria-cidada/ com o título: “CPI da Dívida – Voto em Separado (Relatório Alternativo), do Deputado Federal Ivan Valente (PSOL/SP), apoiado por mais 7 membros da CPI e pelas entidades da Auditoria Cidadã da Dívida – 2010

2. PEC 241: teto para investimentos sociais essências e garantia de recursos para esqueça fraudulento que o PLS 204/2016 e PLP 181/204/2016 e PL 3337/2015 visam “legalizar,  Maria Lucia Fattorelli, Carmen Bressane, Gisela Collares e Rodrigo Ávila”. Em: http://www.auditoriacidada.org.br/blog/2016/09/20/pec-241-teto-para-investimentos-sociais-essenciais-e-garantia-de-recurso-para-esquema-fraudulento-que-o-pls-2042016-o-plp-1812015-e-pl-33372015-visam-legalizar/

3.  Anatomia de uma fraude à Constituição, Adriano Benayon e Pedro Antonio Dourado de Rezende, em: http://www.cic.unb.br/~rezende/trabs/fraudeac.html

4. Parecer da PGR admite alteração indevida na Constituição de 88, mas não vê solução, João Peres e Tadeu Breda. Em: http://www.auditoriacidada.org.br/blog/2016/01/24/parecer-da-pgr-admite-alteracao-indevida-na-constituicao-de-88-mas-nao-ve-solucao/

[1] http://www.auditoriacidada.org.br/blog/2016/09/20/pec-241-teto-para-investimentos-sociais-essenciais-e-garantia-de-recurso-para-esquema-fraudulento-que-o-pls-2042016-o-plp-1812015-e-pl-33372015-visam-legalizar/

 

Vital Didonet

Consultor legislativo aposentado da Câmara dos Deputados, especialista em Políticas Públicas pela Primeira Infância

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