06 de dezembro de 2017

Documento do Ministério da Saúde relata consenso entre especialistas: não existem evidências científicas que justifiquem rastreamento de risco psíquico obrigatório para bebês ou crianças

O Ministério da Saúde registrou, em ofício, consensos debatidos durante um encontro entre um grupo de Instituições, entidades de classe e sociedades científicas, convidadas para discussão acerca da Lei nº 13.438/2017, que prevê a realização obrigatória de um protocolo de rastreamento de risco psíquico a bebês entre zero e dezoito meses. Entre os seis pontos de consenso estabelecidos pelo grupo está o reconhecimento da “imprecisão para a proposição de rastreamento universal, pois as evidências científicas existentes não fornecem suporte para a realização do rastreamento universal de risco psíquico para a população de crianças, em especial de 0 a 18 meses”.

Todos somos favoráveis a detecção precoce de sinais de alerta para autismo e outros transtornos graves do desenvolvimento, mas a detecção confiável, no tempo correto e disponível a todos. A RNPI defende que toda criança receba acompanhamento integral ao seu desenvolvimento, e isso implica não somente pesar, medir e vacinar mas construir um processo onde a equipe de saúde contextualize o desenvolvimento de cada criança no seio da sua comunidade”, afirma Ricardo Lugon, integrante do GT Saúde, professor da Faculdade IENH e psiquiatra do CAPSi de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul.

Quando surgirem problemas nesses primeiros momentos da vida, as redes especializadas devem se articular com as equipes mais próximas desta criança para pensar formas de compreender o que esta ocorrendo e juntas pensarem soluções. Lamentavelmente a lei 13.438 não oferece nenhum destes elementos: ela determina tão somente a aplicação de um protocolo com pouco embasamento cientifico, numa faixa etária onde não se recomenda a aplicação universal de protocolos e ainda exclui uma parcela considerável das crianças brasileiras que não tem acesso a pediatras. Construímos, depois de muito debate, um consenso de que a Caderneta de Saúde da Criança reúne elementos suficientes para realizar este acompanhamento do desenvolvimento da maneira mais adequada: ela tem fundamentação cientifica, está disponível para todas as crianças que nascem e já é bastante conhecida dos profissionais de Saúde. O principal desafio é ampliar o uso da parte onde a Caderneta fala sobre o desenvolvimento, lamentavelmente ainda negligenciada por muitos profissionais”, conclui Ricardo.

A lei 13.438/2017, aprovada este ano, incluiu no Estatuto da Criança e Adolescente um artigo que torna obrigatória a aplicação de protocolo de detecção de risco psíquico em todos os bebês de zero a 18 meses. Na reunião em Brasília, estiveram presentes representantes de diferentes entidades da sociedade civil, autarquias, universidades, movimentos sociais, especialistas em primeira infância e em políticas públicas, além de servidores das áreas técnicas do Ministério da Saúde, em dois dias intensos de debates.

Um outro importante encaminhamento pactuado no encontro prevê que “o Ministério da Saúde elaborará um documento de orientações sobre vigilância do desenvolvimento da criança, a promoção e o cuidado da primeira infância no contexto da Lei 13.438/2017, por meio do fortalecimento do SUS e das políticas existentes e editará portaria para orientar a organização e pactuação de toda a rede de saúde”. E também que o Ministério da Saúde atue no “fortalecimento de estratégias intersetoriais de comunicação e difusão sobre a importância do desenvolvimento na primeira infância e sobre os riscos de medicalização e patologização da infância.”

Veja abaixo a íntegra do documento assinado pelo Ministério da Saúde.

 

 

 

Timbre

MINISTÉRIO DA SAÚDE
Esplanada dos Ministérios, Bloco G  – Bairro Zona Cívico-Administrativa, Brasília/DF, CEP 70058-900
Site – saude.gov.br

Ofício nº 34-SEI/2017/CGSCAM/DAPES/SAS/MS

Brasília, 14 de novembro de 2017.

 

Assunto: Documento de consensos da Oficina de alinhamento sobre a da Lei 13.438/2017

Prezada Senhora,

Nos dias 28 e 29 de setembro de 2017, reuniu-se em Brasília um grupo de Instituições, entidades de classe e sociedades científicas convidadas pelo Ministério da Saúde para discussão acerca da Lei nº 13.438/2017. O encontro teve por objetivo alinhar consensos para fortalecer a vigilância do desenvolvimento, a promoção e o cuidado da primeira infância no contexto da referida Lei. Participaram da oficina representantes do Ministério da Saúde – Secretarias de Atenção a Saúde/SAS/DAPES (Coordenação-Geral de Saúde da Criança e Aleitamento Materno/CGSCAM, Coordenação-Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas/CGMAD, Coordenação-Geral de Saúde da Pessoa com Deficiência/CGSPD, Coordenação-Geral de Saúde do Adolescente e Jovens/CGSAJ, Departamento de Atenção Básica (Atenção primária – Estratégia Saúde da Família, Coordenação-Geral de Alimentação e Nutrição) Coordenação de Educação Infantil – MEC, Rede Nacional pela Primeira Infância – RNPI, Sociedade Brasileira de Pediatria – SBP, Conselho Federal de Psicologia – CFP, Associação Brasileira de Saúde Mental – ABRASME, Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO, OPAS Brasil, Instituto de Saúde da Criança, do Adolescente e da Mulher Fernandes Figueira – IFF/Fiocruz, Instituto de Saúde- IS SP, Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, Departamento de Pediatria da Unicamp, Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Universidade Federal do Pará-UFPA, GNP-IRDI, Secretaria Municipal da Saúde de Fortaleza, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente-CONANDA, Universidade de São Paulo-USP, Faculdade Ciências Médicas de Santa Casa-Unidade de Referência de Autismo/SES/SP, Conselho Federal de Psicologia-CFP, Movimento Despatologiza, Hospital da Criança de Brasília, de o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional- CREFITO e especialistas em Desenvolvimento Infantil.

Identificou-se a necessidade de reforçar a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança, a Política Nacional de Atenção Básica, a Política Nacional de Saúde Mental com ênfase na infância e Adolescência, a Política Nacional de saúde da Pessoa com Deficiência, a Convenção Internacional dos direitos da Pessoa com Deficiência, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Brasileira de Inclusão) e o Marco Legal da Primeira Infância com especial atenção a:

1) Importância do acompanhamento do crescimento e desenvolvimento da criança na Atenção Básica, fortalecimento do vínculo familiar e das famílias com as equipes, ênfase no cuidado longitudinal e integral permitindo melhor avaliação e continuidade do acompanhamento do desenvolvimento e de seus agravos;

2) Ampliação e fortalecimento da oferta de ações intersetoriais de promoção da saúde na primeira infância, em especial a promoção da saúde mental;

3) Imprecisão para a proposição de rastreamento universal, pois a evidências científicas existentes não fornecem suporte para a realização do rastreamento universal de risco psíquico para a população de crianças, em especial de 0 a 18 meses.

4) Adoção e reconhecimento da Caderneta de Saúde da Criança (versões atual e futura) enquanto um importante instrumento de vigilância do desenvolvimento integral da criança na atenção básica incluindo crianças de 0 a 18 meses, objeto da Lei 13438;

5) Necessidade de ampliar a qualificação dos profissionais para a utilização da Caderneta de Saúde da Criança em toda sua potencialidade, com ênfase nos marcos do desenvolvimento infantil nos diferentes dispositivos da rede de atenção à saúde da criança, incluindo as redes socioassistenciais e de educação.

6) Ampliação e qualificação de ofertas de cuidado colaborativo, compartilhado e continuado às crianças com alterações de desenvolvimento identificadas a partir da vigilância e acompanhamento, em arranjos territoriais e de serviços como os Núcleos de Apoio à Saúde da Família – NASF, Centros de Atenção Psicossocial infanto-juvenil – CAPSi, Centros de Atenção Psicossocial tipo I – CAPSI (para territórios com população abaixo de 15 mil habitantes), Centros Especializados em Reabilitação – CER, ambulatórios de especialidades e demais serviços integrados ao SUS, fortalecendo a Rede de Atenção Psicossocial – RAPS e a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência – RCPCD.

ENCAMINHAMENTOS

1) O Ministério da Saúde elaborará um documento de orientações sobre vigilância do desenvolvimento da criança, a promoção e o cuidado da primeira infância no contexto da Lei 13.438/2017, por meio do fortalecimento do SUS e das políticas existentes e editará portaria para orientar a organização e pactuação de toda a rede de saúde.

2) Definição e pactuação de estratégias conjuntas para garantir a vigilância do desenvolvimento na primeira infância a todas as crianças e o cuidado necessário às que apresentam problemas de desenvolvimento reforçando os pontos 5 e 6 deste documento de consensos.

3) Necessidade de expansão e fortalecimento das redes de atenção à saúde- Rede de Atenção Psicossocial – RAPS, Rede de Cuidado da Pessoa com Deficiência, Rede Cegonha, assim como da Atenção Básica.

4) As entidades da sociedade civil presentes na oficina (Abrasme, Abrasco, Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, Rede Nacional pela Primeira Infância, Despatologiza), o Departamento de Pediatria da Unicamp e o Conselho Federal da Psicologia, o Instituto de Psiquiatria da UFRJ e o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional apontam o risco de judicialização da saúde, dos efeitos iatrogênicos, culpabilização das famílias e patologização da infância, identificando a necessidade de tomar as devidas medidas legais no sentido de anulação da lei.

5) Para fins de instrumentalização das redes locais, o Ministério da saúde orienta a utilização da Caderneta de Saúde da Criança, como instrumento de maior alcance para a vigilância do pleno desenvolvimento na puericultura, que inclui, dentre as diferentes dimensões, os aspectos psíquicos.

6) Frente à ausência de evidências que avaliam o equilíbrio entre riscos e benefícios da aplicação de instrumento de rastreamento universal de risco psíquico no âmbito da lei, em especial a bebês de 0 a 18 meses, consensuou-se que todo e qualquer instrumento que venha a ser proposto deverá necessariamente ser submetido a parecer da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS – CONITEC.

7) Fortalecimento da articulação permanente das políticas de atenção às pessoas com deficiência e expansão da rede de atenção a essa população, observados os princípios da Convenção Internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência e da Lei Brasileira de Inclusão da pessoa com deficiência, na perspectiva inclusiva, garantindo a proteção integral.

8) O Ministério da Saúde fomentará o desenvolvimento de pesquisas junto ao Departamento de Ciência e Tecnologia – DECIT/SCTIE de forma orientada para as necessidades identificadas neste documento. Da mesma forma, com base nestas necessidades identificadas, articulará para a formação na graduação e para os trabalhadores do SUS, com a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde – SGTES e com as universidades e escolas de saúde pública.

9) Fortalecimento de estratégias intersetoriais de comunicação e difusão sobre a importância do desenvolvimento na primeira infância e sobre os riscos de medicalização e patologização da infância.

Atenciosamente,

Documento assinado eletronicamente por Thereza de Lamare franco Neo, Diretor(a) do Departamento de Ações Programácas Estratégicas, em 16/11/2017, às 12:33, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015; e art. 8º, da Portaria nº 900 de 31 de Março de 2017. Documento assinado eletronicamente por João Salame Neto, Diretor(a) do Departamento de Atenção Básica, em 16/11/2017, às 13:58, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015; e art. 8º, da Portaria nº 900 de 31 de Março de 2017. A autencidade deste documento pode ser conferida no site hp://sei.saude.gov.br/sei/controlador_externo.php? acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0, informando o código verificador 1309591 e o código CRC AEBCCBDB. Referência: Processo nº 25000.470347/2017-01 SEI nº 1309591

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