17 de maio de 2011

Infância Roubada

Pratica-se a insensatez de empurrar as crianças para um futuro que só se pode imaginar como será

 

Uma jovem mulher escre­veu pedindo orientação. Ela contou que tem pouco mais de 30 anos, e o marido, quase 70. Juntos tiveram uma filha, hoje com quatro anos. Ela quer saber como preparar a garota para o luto do pai.

Uma outra tem um filho de seis anos que freqüenta uma escola em que o primeiro ano do ensino fundamental é tra­tado deforma cuidadosa, segundo inclusive a orientação do MEC, já que as crianças ainda estão na primeira in­fância. Apesar de perceber o quanto o filho se desenvolve brincando na escola, ela tem uma dúvida que não a deixa em paz.

Ela pensa que, já que a partir do segundo ano os estudos terão de ser levados com mais seriedade pelo filho, talvez fosse melhor a escola cobrar mais das crianças desde o primeiro ano. Por isso, fica na dúvida se não deveria colocar o filho em uma escola que já fizesse isso, mesmo sabendo que o garoto adora ir para a escola atual e que ela colabo­ra bastante para o desenvol­vimento de seu potencial.

Essas duas mulheres, que trazem questões aparente­mente tão distintas, nos mos­tram como temos tratado as crianças pequenas.

Temos nos ocupado tanto com seu futuro que esquecemos que elas têm um presente que precisa ser vivenciado, explorado, vivido até as últi­mas consequências. Aliás, antes de tudo, vamos lembrar que a maneira como vivemos o presente ajuda a desenhar o traçado do futuro.

Será que, porque o destino da criança é crescer, precisa­mos fazer com que isso acon­teça o mais rapidamente pos­sível? Não faz o menor senti­do pensar e agir assim. Seria a mesma coisa pensar que, já que vamos mesmo morrer, não faz o menor sentido viver, não é verdade?

Vamos, mais uma vez, ten­tar aplicar o mesmo raciocí­nio à vida adulta.

Um profissional sabe que, para alcançar uma meta de­sejada na carreira, terá de, em um futuro próximo, reali­zar um trabalho de alguns meses em outro país. Ele sabe também que isso acarretará um afastamento da família por esse período.

Por acaso julgaríamos sen­sato se ele pensasse que a maneira de amenizar esse tempo de afastamento seria começá-lo a praticar desde já, meses antes de o fato acontecer?

Claro que não. Ao contrá­rio: se pudéssemos dar algum conselho a ele, diríamos o oposto: “Aproveite o convívio familiar o máximo que puder antes de viajar”. É ou não é verdade isso?

E por que, justamente com as crianças pequenas, prati­camos a insensatez de em­purrá-las em velocidade ca­da vez maior para um futuro que só podemos imaginar co­mo ser á?

Vai ver a infância nos incomoda, porque mostra que o nosso futuro já não é tão am­plo quanto gostaríamos que fosse: já vivemos parte dele. Ou então já não lembramos mais que a maioria dos adul­tos chegou onde chegou ten­do vivido calmamente a sua infância, sem grandes prepa­rações para o futuro. E isso faz com que a gente tente atropelar a infância de quem hoje é criança.

Ou será que queremos rou­bar a infância de nossas crianças porque não sabe­mos o que fazer com elas, porque elas atrapalham a nossa vida presente?

Sim: a filha da primeira lei­tora citada terá de, algum dia, passar pelo luto da per­da do pai. Aliás, da mãe tam­bém e de muitos outros entes queridos. Em que ordem? Não sabemos. Por que, en­tão, começar a matar desde já o seu pai se ele está bem vi­vo ao lado dela?

O filho de nossa segunda leitora também terá de en­frentar maiores responsabili­dades a partir do próximo ano letivo. Então, por que não deixar que aproveite, brincando muito, o último ano da primeira parte de sua infância?

A criança deve ter o direito de ser criança enquanto po­de. Deveríamos, todos, de­fender essa causa.

 

Fonte: Rosely Sayão (psicóloga e autora do livro “Como Educar Meu Filho?”) – Publifolha

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