06 de julho de 2017

Primeira infância e exílio: algumas reflexões sobre os desafios para pais refugiados

Artigo por Gabriela Azevedo de Aguiar – Amiga da RNPI

No dia 20 de junho comemoramos o Dia Mundial do Refugiado. Muitas vezes, ao vermos as notícias da chegada dos solicitantes de refúgio à Europa, não nos damos conta do que está acontecendo em nosso próprio país.

O Brasil recebe uma diversidade instigante e colorida de culturas com os refugiados e solicitantes de refúgio vindos de diferentes partes do mundo. Apesar da queda de 64% nos pedidos de refúgio, em relação a 2015, o número total de refugiados aumentou 12% em 2016, segundo os últimos dados divulgados pelo relatório sobre refúgio no Brasil do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (junho de 2017). Somente em 2016, recebemos 3.375 pedidos de solicitantes da Venezuela, 1.370 de Cuba, 1.353 de Angola, 646 do Haiti e 391 da Síria, para citar as nacionalidades com maior número. A queda nas solicitações foi puxada pela diminuição da chegada dos haitianos que, na verdade, têm sua situação migratória regularizada por vistos especiais de caráter humanitário, não por refúgio. Conforme a legislação brasileira, o refugiado é aquele que foge de seu país de origem por temor de perseguição, fundado em motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social e/ou opinião política.

Ao contrário do que acontece em vários lugares, inclusive na Europa onde cerca de 75.000 menores de 18 anos, desacompanhados ou separados de suas famílias e originários de 70 países diferentes, solicitaram refúgio somente em 2016 (sendo a Alemanha o país que acolheu o maior número) (UNHCR, 2017, p. 3), normalmente não recebemos crianças e adolescentes desacompanhados.

Mas a primeira infância e a experiência de busca por refúgio estão presentes no Brasil de várias outras maneiras: com a chegada cada vez mais numerosa de mulheres e crianças, nos filhos que lá ficam, distantes de seus pais, e todo o processo doloroso de aqui estar e por eles esperar, nos filhos que aqui nascem brasileiros, mas que falam lingala ou árabe desde o berço.

Em geral, quanto menor a criança, menores as dificuldades encontradas em seu processo de adaptação à nova cultura. Apesar disso, são vários os desafios encontrados. Para os pais refugiados e solicitantes de refúgio que aqui chegam com seus filhos, ou que aqui os têm, a falta de uma rede de apoio para ajudar no cuidado com os filhos pode interferir, inclusive, na possibilidade de arrumar trabalho, passo importante para reconstruir suas vidas em terras desconhecidas. Sem apoio de familiares e amigos para cuidar das crianças enquanto trabalham e sem conseguir vaga nas creches públicas – um problema enfrentado pela população em todo o Brasil –, os pais se encontram sem muitas opções, o que aumenta sua vulnerabilidade.

Garcia e Blessing na Cáritas RJ (Fonte: PARES Cáritas)

 

Foi assim que a bolsa de 100% fornecida pela Creche Criançartes, em Botafogo, no Rio de Janeiro-RJ, abriu possibilidades para que Garcia, refugiada angolana e mãe de Blessing, de 1 ano, nascida brasileira, agora consiga procurar trabalho, já que na creche a pequena estará bem cuidada durante o dia. Garcia sorri feliz ao contar como a escola é boa e agradece às mães que aos poucos se mobilizam para apoiá-la com o que ainda precisa. A rede de pais e mães vai, assim, criando laços e engendrando apoio.

(Ah, sim, é importante lembrar que desde que chegam ao Brasil, os solicitantes de refúgio podem trabalhar legalmente no país. Para mais informações, acesse aqui:

http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2014/Cartilha_para_solicitantes_de_refugio_no_Brasil.pdf?view=1)

A ponte com o Programa de Atendimento a Refugiados da Cáritas RJ e a escola foi feita por uma mãe, mas pode também ser feita por você.

Que tal expandir o mundo das crianças na sua sala ao conviver com culturas diferentes e, ao mesmo tempo, apoiar a primeira infância de migrantes e refugiados? Mande um e-mail para il@caritas-rj.org.br.

Saiba Mais:

ACNUR: http://www.acnur.org/portugues/

Cáritas RJ: https://www.facebook.com/caritasrj/

Criançartes: http://www.criancartes.com.br/

Estatísticas:

Refugiados no Brasil:

“O número total de refugiados no País aumentou 12% em 2016, informa o relatório sobre refúgio no Brasil do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça e Segurança Pública. (…) Até o final do ano passado, foram reconhecidos 9.552 refugiados de 82 nacionalidades. Desses, 8.522 foram reconhecidos por vias tradicionais de elegibilidade, 713 chegaram ao Brasil por meio de reassentamento e a 317 foram estendidos os efeitos da condição de refugiado de algum familiar. ” (PORTAL BRASIL, 2017)

 

Você acha que a Europa está recebendo muitos refugiados? Dê uma olhada mais atenta aos números:

“Pelo terceiro ano consecutivo, a Turquia hospedou o maior número de refugiados no mundo, com 2.9 milhões de pessoas. Os principais países para asilo foram: Turquia (2,9 milhões), Paquistão (1,4 milhões), Líbano (1,0 milhão), Irã (979.400 mil), Uganda (940.800 mil) e Etiópia (791.600 mil) ” (…)

Mais de metade (55%) dos refugiados no mundo todo são provenientes de apenas 3 países: Síria (5.5 milhões), Afeganistão (2.5 milhões) e Sudão do Sul (1.4 milhões) ” (UNHCR, 2017, p.3) (Tradução nossa)

 

Sobre a situação das Creches no Brasil:

PNAD 2015: crianças menores de 4 anos que frequentavam creche moravam em domicílios com rendimento per capita maior (link:

http://primeirainfancia.org.br/pnad-2015-criancas-menores-de-4-anos-que-frequentavam-creche-moravam-em-domicilios-com-rendimento-per-capita-maior/)

 

Referências

ACNUR. Cartilha para solicitantes de refúgio no brasil. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/fileadmin/documentos/portugues/publicacoes/2014/cartilha_para_solicitantes_de_refugio_no_brasil.pdf?view=1>. Acesso em: 28 jun. 2017.

PARES CÁRITAS RJ. Pares cáritas rj 13 de junho às 12:01 ·. Disponível em: <https://www.facebook.com/caritasrj/posts/752090318307019:0>. Acesso em: 13 jun. 2017.

PORTAL BRASIL – CIDADANIA E JUSTIÇA. Número de refugiados no brasil aumentou 12% em 2016. Disponível em: <https://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2017/06/numero-de-refugiados-no-brasil-aumentou-12-em-2016>. Acesso em: 03 jul. 2017.

PRIMEIRA INFANCIA. Pnad 2015: crianças menores de 4 anos que frequentavam creche moravam em domicílios com rendimento per capita maior. Disponível em: <http://primeirainfancia.org.br/pnad-2015-criancas-menores-de-4-anos-que-frequentavam-creche-moravam-em-domicilios-com-rendimento-per-capita-maior/>. Acesso em: 28 jun. 2017.

UNHCR. 2016 in review – trends at a glance – global trends forced displacement in 2016. Disponível em: <http://www.unhcr.org/5943e8a34>. Acesso em: 20 jun. 2017.

 

 

Autora

Gabriela Azevedo de Aguiar

Psicóloga – PUC/SP

Mestre em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social – EICOS – URFJ

aguiargabriela@gmail.com

 

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