22 de dezembro de 2017

RNPI publica manifesto sobre a proteção às crianças em tempo de crise política, ética, social e econômica

Manifesto foi aprovado durante última Assembleia da RNPI, pela maioria dos participantes

A Rede Nacional Primeira Infância acaba de publicar um manifesto, aprovado em sua última assembleia, dirigido aos governos, políticos, organizações sociedade civil e profissionais que atuam na defesa, promoção e garantia dos direitos das crianças na primeira infância. O documento traz uma análise do momento de crise política, ética, social e econômica, que atinge a sociedade brasileira, alerta sobre os riscos ao qual as crianças e suas famílias estão sujeitos, e conclama os defensores de direitos à ação.  (Clique aqui para fazer download, ou leia na íntegra, abaixo)

“Crise é sinônimo de oportunidade: para nós, a oportunidade de construir uma nova perspectiva de desenvolvimento humano e social. De superar o retrocesso em democracia, em distribuição de renda, em inclusão social que o país está vivendo.  Superar a opção atual, que é  priorizar e privilegiar o financeiro não-produtivo, o rentismo, que aproveita a crise para retirar direitos sociais e diminuir o investimento em políticas públicas de redução da desigualdade, o que atinge gravemente a Primeira Infância”, afirma o documento.

O Manifesto traz uma proposta de agenda comum, com 13 pontos de ação, que são detalhados ao longo do texto. São eles:

1.Construção de um Pacto Federativo pela Criança.

2. Revisão da Emenda Constitucional 95

3 Inserção efetiva das crianças nas ações nacionais dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS

4. Implementação do Plano Nacional pela Primeira Infância – PNPI e apoio à elaboração e implementação dos Planos Estaduais e Municipais pela Primeira Infância (PEPI e PMPI),

5. Defesa do Sistema Único de Saúde (SUS)

6. Implementação do Plano Nacional de Educação – PNE 2014-2024

7. Reforço e ampliação das ações da Política Nacional de Assistência Social

8. Reforço institucional e orçamentário à Secretaria Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA)

9. Transformação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB em mecanismo permanente.

10. Atenção ao direito à informação de interesse público

11. Busca ativa das crianças ainda excluídas dos serviços públicos de saúde, educação e assistência social

12. Organização de espaços coletivos de lazer e de brincar para as crianças

13. Promover a cultura da infância e para a infância.

“Portanto, proteger as crianças e promover o desenvolvimento integral das potencialidades que elas trazem ao nascer é condição para construir uma sociedade desenvolvida e justa.  A sociedade não pode fugir ao seu papel de guardiã e garantidora, junto com o Estado e a Família, dos direitos da criança.  Como disse Nelson Mandela, ‘O verdadeiro caráter de uma sociedade é revelado pela forma como trata suas crianças’.  A crise institucional e política que estamos vivendo aumenta a importância da participação democrática no esforço necessário para manter os direitos humanos conquistados”, afirma trecho do documento.

Veja o Manifesto, na íntegra:

MANIFESTO SOBRE A PROTEÇÃO ÀS CRIANÇAS EM TEMPO DE CRISE

AOS GOVERNOS, AOS POLÍTICOS, ÀS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL, AOS PROFISSIONAIS E MILITANTES DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS.

 

Eu preparo uma canção
Que faça acordar os homens
E adormecer as crianças

Carlos Drummond de Andrade

 

A Rede Nacional Primeira Infância – RNPI, face à crise política, ética, social e econômica que estamos vivendo no Brasil, vem alertar para as consequências lesivas provocadas pelas medidas de ajuste econômico sobre a vida e o desenvolvimento de nossas crianças e adolescentes, que atingem de modo mais agudo as crianças de até seis anos. Ao mesmo tempo, vem conclamar a agir na proteção das crianças todas as pessoas de boa vontade, estejam elas nos governos federal, distrital, estaduais e municipais, nas entidades profissionais ou nas organizações representativas da sociedade civil.

As medidas de ajuste econômico linear causam grande impacto social negativo, que é mais profundo nas pessoas mais frágeis: os bebês, as crianças, os adolescentes, de famílias em situação de vulnerabilidade social e a população situada na faixa da pobreza e da miséria ([i]). Sabemos que a Primeira Infância é o período que mais exige proteção e cuidado para que possa sobreviver e desenvolver-se.  Por essa razão, é a criança de até seis anos de idade que sofre, de forma mais profunda e prolongada, os danos das privações que ocorrem em épocas de crise econômica.

A negação de direitos fundamentais às crianças e adolescentes, fazendo com que não vivam com dignidade e não lhes sejam assegurados os meios de desenvolver seu potencial humano, leva à erosão da base sobre a qual a sociedade se funda e sustenta.

A proteção às crianças requer a garantia dos seus direitos, que foram arduamente conquistados e, mais que isso, exige que se priorize investir no desenvolvimento do potencial que trazem ao nascer. Esta é a escolha correta a ser feita sempre – e, mais ainda, a que deve ser feita em tempos de crise, como tem sido demonstrado eloquentemente pela História ([ii]). “Níveis mais altos de desenvolvimento humano beneficiarão os países que protegem os direitos das crianças mesmo em tempos de crise” ([iii]) é o que diz o UNICEF no Relatório sobre a Situação Mundial da Infância de 2005. Isto significa que somente com o cuidado integral à infância e à adolescência poderemos sair desta crise com dignidade e razões de esperança.

Neste Manifesto, em meio à crise que afeta a toda a sociedade, a Rede Nacional Primeira Infância propõe uma agenda com o objetivo de proteger as crianças na Primeira Infância, cuidando também de suas famílias, e promover condições adequadas para seu pleno desenvolvimento. Esse cuidar vai muito além da dimensão jurídica do direito à proteção. O ser humano é produto do cuidado, em todas as etapas e circunstâncias de sua vida. É o cuidado que tece o vínculo, o amor e a amizade, que protege e promove, que conduz a pessoa à realização de seu potencial humano. O descuido com o outro é egocentrismo; com a criança é desumanidade.

Adiar medidas que devem ser tomadas agora, privando as crianças de direitos fundamentais num momento crucial de suas vidas, significa cometer um crime contra cada uma delas e também contra a Nação.

Portanto, proteger as crianças e promover o desenvolvimento integral das potencialidades que elas trazem ao nascer é condição para construir uma sociedade desenvolvida e justa.  A sociedade não pode fugir ao seu papel de guardiã e garantidora, junto com o Estado e a Família, dos direitos da criança.  Como disse Nelson Mandela, “O verdadeiro caráter de uma sociedade é revelado pela forma como trata suas crianças”.  A crise institucional e política que estamos vivendo aumenta a importância da participação democrática no esforço necessário para manter os direitos humanos conquistados.

 

A crise e as opções para sair dela

Há consenso de que o Brasil vive uma crise profunda que atinge as estruturas sociais e prejudica os investimentos necessários ao país. Também há consenso de que é preciso recuperar sua capacidade de investimento e retomar o desenvolvimento que beneficie a todos.  Há fundadas críticas às medidas que vêm sendo adotadas. Retirar direitos sociais, cortar investimentos essenciais à vida e ao desenvolvimento na infância e na adolescência, resulta no agravamento ainda maior dos problemas hoje vividos.

O UNICEF denuncia: “O dano causado por essas ameaças vai muito além dos anos da infância e aumenta a probabilidade de que a geração seguinte seja afetada pela mesma ameaça”. E acrescenta: “A cada criança que cai no precipício fica comprometido um pouco mais do futuro compartilhado da humanidade ([iv]).

Se estatísticas de mortalidade materna e infantil, abandono, violência, exploração, obesidade ou falta de vagas em creche causam impacto, ele é ainda maior quando se vislumbra, atrás dos números, a singularidade de cada criança, única e insubstituível. As políticas sociais voltadas às crianças têm a ver com projetos de vida, com potenciais humanos sendo desenvolvidos, com esperanças cumpridas.

Crise é sinônimo de oportunidade: para nós, a oportunidade de construir uma nova perspectiva de desenvolvimento humano e social. De superar o retrocesso em democracia, em distribuição de renda, em inclusão social que o país está vivendo.  Superar a opção atual, que é  priorizar e privilegiar o financeiro não-produtivo, o rentismo, que aproveita a crise para retirar direitos sociais e diminuir o investimento em políticas públicas de redução da desigualdade, o que atinge gravemente a Primeira Infância.

Atender aos credores da dívida pública, remunerando-os com taxas de juro elevadas, enriquecendo-os e beneficiando-os com a inflação que corrói o poder de compra dos mais pobres, significa negar às crianças o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao brincar, à cultura, à convivência familiar e comunitária, à proteção social básica. É preciso lembrar que, de acordo com um dos índices utilizados pelo IBGE, um quarto da população vive com renda de até 5,5 dólares por dia (R$387 por mês), incluindo 42,4% das crianças e adolescentes de até 14 anos do país. Não nos parece que se deva impor mais sacrifícios a essas pessoas. As crises podem ser superadas, mas as decisões equivocadas para sair delas provocam danos – em muitos casos permanentes – à vida e ao desenvolvimento das crianças..

Um princípio basilar na Constituição brasileira define o ponto de partida da ação governamental: é a Prioridade Absoluta para a garantia dos direitos da criança e do adolescente. O texto do art. 227 da Constituição Federal não dá margem a dúvidas nem a divergências de interpretação. Esta é a única vez – e somente para os direitos da criança e do adolescente – que ela usa essa expressão: Prioridade Absoluta. Para explicitar ainda mais, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 4º, indica onde e como a gestão pública deve aplicar esse princípio. E o Marco Legal da Primeira Infância acrescenta que essa prioridade absoluta implica o dever do Estado em estabelecer políticas, planos, programas e serviços para a Primeira Infância que atendam às especificidades dessa faixa etária, visando a garantir seu desenvolvimento integral (Lei 13.257/2016, art. 3º).

À parcela dos governantes para os quais este mandato constitucional pareça não ser suficiente para orientar decisões públicas, a Rede Nacional Primeira Infância lembra enfaticamente que ele é categórico e inquestionável. Os direitos da criança e do adolescente não podem, sob nenhum pretexto, ser negados ou postergados.  A Nação, ao inscrever na sua Carta Magna que eles devem ser assegurados com prioridade absoluta, fez uma opção clara e objetiva pelo que considera o mais justo e necessário, básico e fundante da própria sociedade.  O congelamento – por vinte anos! – dos recursos para as políticas voltadas à infância e adolescência colide com aquele mandato constitucional. Kofi A. Annan, ex-Secretário Geral das Nações Unidas, com a lucidez de sua experiência, expressou que “Os países somente chegarão mais perto de suas metas de paz e desenvolvimento se chegarem mais perto da realização dos direitos de todas as crianças”.

As ciências que estudam o desenvolvimento infantil fornecem outro dado relevante para fazer a escolha correta na gestão da crise. As constatações dos diferentes campos de pesquisa sobre fatores intervenientes na construção da inteligência, na vivência dos sentimentos, na expressão dos afetos, na comunicação, na socialização, na constituição do sujeito – enfim, na formação da personalidade da criança – coincidem sobre a importante influência do meio físico e social a partir do nascimento e durante os seis primeiros anos de vida. O potencial genético representa apenas uma parte do que a pessoa poderá ser na vida. O restante é constituído pela própria criança nas interações com o meio. A qualidade do ambiente, sua força em convidar, desafiar, apoiar as experiências infantis, são determinantes do grau de ativação e desenvolvimento do potencial de cada criança.

Em síntese, as estruturas da base que sustentam o edifício do conhecimento e da ação humana por toda a vida são construídas na Primeira Infância. É fundamental, portanto, que o que se sabe sobre os fatores do desenvolvimento infantil informem e direcionem as políticas e ações efetivamente postas em prática na atenção à criança na Primeira Infância.

Outro indicador para as decisões é fornecido pelos estudos sobre as taxas de retorno dos investimentos públicos nos diferentes ciclos da vida.  Todos os grupos etários precisam e têm direito à atenção do Poder Público. Mas o investimento na Primeira Infância apresenta um retorno várias vezes superior àquele feito nas etapas posteriores. Os argumentos de James Heckman, prêmio Nobel de Economia no ano 2000, são citados à exaustão, continuando a causar impacto onde o tema da relação entre investimentos públicos e desenvolvimento humano estão sendo considerados:  “Para quem tem o poder de decidir, deixo aqui a provocação: não investir nestes primeiros anos de vida é uma decisão bem pouco inteligente do ponto de vista do orçamento. Basta usar a matemática. A opção pela Primeira Infância custa até um décimo (da opção pelo sistema policial). Recaímos na velha questão: prevenir ou remediar” ([v]).

É evidente que prevenir, investindo na Primeira Infância, é a melhor opção.

O corte de recursos no orçamento para programas voltados à Primeira Infância e a quase inexistente lembrança das crianças nos debates sobre a crise nacional revelam que os dados das ciências e os belos discursos não se têm traduzido necessariamente no orçamento.

Deve-se aproximar mais as ciências e as políticas públicas, o conhecimento e a experiência profissional das decisões governamentais. Para isso, é fundamental a decisão política e a vontade de fazer.

Proposta de Agenda

A consciência dos problemas que incidem sobre as crianças, que bloqueiam ou acanham as chances de desenvolverem todo seu inestimável potencial, é apenas ponto de partida para agir agora. A criança não pode esperar. A ela não podemos dizer amanhã, nos falou poeticamente Gabriela Mistral, porque seu nome é hoje.

Mas a criança vai além do que vemos nela hoje e do que desejaríamos no futuro. Ela é mais do que uma pessoa a ser bem cuidada, do que um potencial a receber os meios para realizar-se. Ela é mistério, surpresa, permanente desafio e inesgotável possibilidade.  Diante do mistério, cabe o amor; diante da surpresa, a admiração; diante do desafio, a companhia; das possibilidades, o apoio. Se ela é o anúncio do novo, temos o dever de respeitar a invenção que dela surge e, nela, a renovação de nós próprios. Porque ela é fonte de criação. Como diz o poeta Manoel de Barros: “Eu penso renovar o homem usando borboletas”.

A pluralidade de Organizações que compõem a Rede Nacional Primeira Infância, a qualidade e a diversidade de experiências e saberes, abre uma ampla perspectiva, que é explicitada nesta proposta de agenda estratégica. Proposta de Agenda que consideramos capaz de proteger as crianças-com-suas-famílias e promover seu pleno desenvolvimento nas instituições. O Marco Legal da Primeira Infância, para ser implementado na dimensão que o legislador lhe deu, deve contar com rede básica de serviços de saúde, educação, assistência social, cultura, segurança, meio ambiente saudável e proteção contra toda forma de violência, com meios legais e capacidade de operação.  A Rede Nacional da Primeira Infância sempre está disposta a cooperar, isto é, a operar-com, os governos, as organizações da sociedade civil, e todas as pessoas que acreditam nesse ideal, nesse dever, nessa responsabilidade política.

Aqui está nossa agenda:

1.Construção de um Pacto Federativo pela Criança. A Constituição Federal é o grande pacto federativo da Nação. Ele se concretiza em cada ação de responsabilidade conjunta. Dessa natureza é a garantia dos direitos da criança. O “Estado”, a que se refere o art. 227 da Constituição Federal, é constituído pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios. Por mais que o sistema federativo confira autonomia e atribua competências próprias a cada um desses Entes, a Constituição mantém o termo comum e abrangente de Estado para a garantia, com absoluta prioridade, dos direitos da criança e do adolescente. Isso significa que nenhum Ente pode eximir-se da corresponsabilidade, que é coletiva e só pode ser plenamente exercida em conjunto. A estratégia adequada para o País dar conta de suas responsabilidades frente aos direitos da criança é o Pacto Federativo pelos Direitos da Criança, que o Marco Legal da Primeira Infância sinaliza em seu art. 8º. Cabe à União tomar a iniciativa de propor esse pacto.  À sociedade também é atribuído o dever de garantir os direitos da criança, de modo que, para o Estado, torna-se estratégico contar com a participação de organizações representativas da sociedade civil. Além de serem legítimas defensoras e promotoras dos direitos da criança ([vi]), elas fortalecem a democracia e o próprio Estado frente a pressões de corporações cujos objetivos se restringem ao lucro a qualquer preço. ([vii]).  Um pacto que envolve Estado e sociedade será mais efetivo;

  1. Revisão da EC 95. A única forma de reduzir o impacto devastador das medidas de austeridade configuradas na Emenda Constitucional 95/2016 sobre a vida e o desenvolvimento das crianças (que hoje já se materializa no corte de recursos para políticas e programas voltados à criança e na disputa interna entre programas em um mesmo setor) é rever a EC 95/2016 no sentido de isentar do congelamento dos gastos sociais as políticas e os programas que atendem as crianças no primeiro ciclo da vida. Não é sem razão que Manoel Jacinto Sarmento afirma: A ameaça sobre a infância está profundamente articulada com as desigualdades sociais ([viii]);

3 Inserção efetiva das crianças nas ações nacionais dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS. Se é previsível que o Brasil terá dificuldade de realizar os ODS em razão do congelamento dos gastos sociais, na área da criança a dificuldade pode converter-se em impossibilidade, pois os ODS estão justamente requerendo uma atenção mais cuidadosa por parte dos orçamentos públicos para a execução das políticas sociais. Ter consciência disso é o ponto de partida para compreender a necessidade de rever a EC 95/2016, em especial no que diz respeito aos recursos para as ações que levem a atingir os ODS;

  1. Implementação do Plano Nacional pela Primeira Infância – PNPI e apoio à elaboração e implementação dos Planos Estaduais e Municipais pela Primeira Infância (PEPI e PMPI), como forma de viabilizar a implementação de políticas, programas e projetos que garantam a realização dos direitos assegurados na Constituição Federal, no ECA, na Lei 13.257/16 – Marco Legal da Primeira Infância e demais dispositivos legais relacionados, incluindo a extensão das licenças de maternidade e de paternidade, ampliando o tempo em que mães e pais podem ficar com a criança ao nascer. Os Planos pela Primeira Infância constituem-se em instrumentos políticos e técnicos para atendimento integral dos direitos das crianças de até seis anos de idade, de forma intersetorial. Dessa forma, promovem um significativo avanço nas políticas públicas direcionadas à criança.
  2. 5. – Defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) como importante política pública na Área Social, reconhecidamente redutora de iniquidades e pró-desenvolvimento humano pleno e saudável. Essa ação tem fundamento nos fatos: com diretrizes e estratégias claras voltadas para o campo materno e infantil, logrou nos últimos anos a redução da mortalidade infantil em nosso país, atingindo, com três anos de antecedência, o Objetivo 4 de Desenvolvimento do Milênio. Sua defesa, com garantia de recursos orçamentários adequados às ações fundamentais que executa, incluindo as que compõem a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC), reafirma a determinação conjunta na luta pela garantia da vida e da qualidade da vida das crianças brasileiras. A PNAISC traz a contribuição da Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis (EBBS/IFF/Fiocruz) na incorporação de princípios como o do cuidado essencial e do ambiente facilitador à vida das crianças e de seus cuidadores. Estes princípios permeiam os sete eixos da Política: Atenção Humanizada à Gestação, Parto, Nascimento e Recém-nascido; Aleitamento Materno e Alimentação complementar saudável; Desenvolvimento Integral da Primeira Infância; Crianças com Agravos Prevalentes e Doenças Crônicas; Crianças em Situação de Violências, Acidentes e Promoção da Cultura de Paz; Crianças com Deficiências ou em Situações de Vulnerabilidades e Vigilância e Prevenção do Óbito Fetal e Infantil. As inúmeras ações setoriais e intersetoriais desenvolvidas em cada eixo, vão se articulando com as diferentes Redes de Atenção, tendo, como principal orientadora para as linhas de cuidado, a Política Nacional de Atenção Básica.
  3. Implementação do Plano Nacional de Educação – PNE 2014-2024, com atenção especial para a Meta 1 – universalização da pré-escola até 2016 e atendimento de 50% das crianças de 0 a 3 anos em creche; com a estratégia 1.2, de redução da desigualdade no acesso às creches em função da renda das famílias; para Meta 4 – universalização do ensino obrigatório para as crianças com deficiência; para a meta 15 – ações de formação dos profissionais da educação; para as estratégias 20.6 e 20.7 da meta 20 – implementação do Custo Aluno-Qualidade Inicial e do Custo Aluno Qualidade. Consideramos crucial também que a aplicação da Base Nacional Comum Curricular da Educação Básica (BNCC), seja precedida pela formação dos professores para fazerem a complementação regional e local e elaborarem os novos currículos da educação infantil;
  4. Reforço e ampliação das ações da Política Nacional de Assistência Social, de forma a garantir a proteção social básica e especial às famílias, e de modo particular às crianças. Consideramos muito importante a articulação de seus dispositivos territoriais, como CRAS e CREAS, segundo a estratégia intersetorial, com as áreas de Educação e Saúde, sustentando nas diferentes esferas governamentais uma efetiva Atenção Integral à Criança e suas Famílias. Neste sentido, é fundamental o fortalecimento de políticas redistributivas como o Bolsa Família, e a continuidade e ampliação de Benefícios como o de Prestação Continuada (BPC) que possibilita condições dignas para a vida de pessoas com deficiência, como, por exemplo, as famílias e crianças que enfrentam a Síndrome da Zika Congênita;
  5. Reforço institucional e orçamentário à Secretaria Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA) para que possa cumprir sua função de defesa e proteção dos direitos da infância e da adolescência. Por ser o órgão que, entre outras ações, mapeia os vazios de políticas voltadas à infância, articula os diversos ministérios para agendas intersetoriais e implementa o Sistema Socioeducativo (SINASE), seu orçamento precisa ser recomposto, sob pena de impossibilitar que cumpra com suas funções;
  6. Transformação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB em mecanismo permanente. O FUNDEB é considerado a engenharia financeira mais criativa e eficaz no financiamento da educação básica, conjugando recursos das três esferas – União, Estados e DF e Municípios, segundo o princípio da solidariedade federativa. A RNPI advoga que o novo Fundo, objeto de Proposta de Emenda Constitucional, promova mais equidade na capacidade de financiamento entre os entes da federação, para que todas as crianças tenham, de fato, acesso a um patamar mínimo de qualidade na oferta educacional. A legislação que venha a ser aprovada pelo Congresso Nacional deverá considerar os custos diferenciados da matrícula em creche, superando seu atual subfinanciamento, pois ele desestimula a necessária e urgente criação de novas vagas em estabelecimentos de educação infantil;
  7. Atenção ao direito à informação de interesse público: Brasil possui de uma ampla rede pública de comunicação. Os canais de televisão e rádio são concessões do poder público, outorgados com a condição, entre outras, de que sejam usados em benefício da sociedade. O Marco Legal da Primeira Infância recomenda fazer uso da TV, do Rádio e das mídias sociais para informar sobre os direitos da criança, disseminar conhecimentos sobre o significado da primeira infância, processos que favorecem o desenvolvimento infantil e informações de utilidade pública que contribuam para a prevenção e a promoção da saúde, a educação e a cidadania da criança;
  1. Busca ativa das crianças ainda excluídas dos serviços públicos de saúde, educação e assistência social. Na área da Primeira Infância, a inclusão das crianças que estão na sombra das políticas públicas, as ditas “invisíveis”, deve ser um objetivo explícito e incontornável das políticas sociais brasileiras. São grande parte das crianças com deficiência, as que se encontram em instituições de acolhimento, as filhas de mulheres em situação de privação de liberdade como também as crianças dos povos e comunidades tradicionais, cuja diversidade é enorme: Povos Indígenas, Quilombolas, Seringueiros, Castanheiros, Quebradeiras de coco-de-babaçu, Comunidades de Fundo de Pasto, Faxinalenses, Pescadores Artesanais, Marisqueiras, Ribeirinhos, Varjeiros, Caiçaras, Praieiros, Sertanejos, Jangadeiros, Ciganos, Açorianos, Campeiros, Varzanteiros, Pantaneiros, Geraizeiros, Veredeiros, Caatingueiros, Retireiros do Araguaia ([ix]).É imperioso que elas sejam consideradas sujeitos de direito incluídas nos benefícios que a constituição lhes garante e sejam estimuladas a contribuir com seu rico patrimônio cultural.
  1. Organização de espaços coletivos de lazer e de brincar para as crianças – O art. 17 do Marco Legal da Primeira Infância ressalta o direito de brincar e propõe medidas concretas, facilmente executáveis em todos os municípios: a criação de espaços lúdicos que propiciem o bem-estar, o brincar e o exercício da criatividade em locais públicos e privados onde haja circulação de crianças, bem como a fruição de ambientes livres e seguros em suas comunidades. Carecemos de assegurar às nossas crianças a recuperação dos estilos de vida infantil com brincadeiras, criatividade, interações, dando-lhes uma real alternativa, especialmente na Primeira Infância, ao que negativamente o mundo digital oferece. Com isso, estaremos promovendo sua saúde física e mental, bem como as competências essenciais para o sucesso de sua vida futura: relacionamentos sociais, aceitação das diferenças, linguagem, cuidados com o ambiente ao seu redor, e muitas outras. Essas recomendações também implicam na necessidade de promover a reurbanização das cidades, em especial das periferias, a partir do critério de que a cidade deve ser amiga da criança e que, assim sendo, será uma cidade amiga de todos. Áreas de lazer, ruas de pedestres, áreas verdes, parques e parquinhos, fazem parte de um elenco de medidas que podem ser implementadas em nossas cidades, pequenas, médias e grandes. As crianças são cidadãs e têm direito à convivência comunitária;
  1. Promover a cultura da infância e para a infância. A Primeira Infância é o maior patrimônio cultural da sociedade, pois ali se forja o olhar que cria e dá sentido a tudo o que se vê, toca e faz. Se percebermos a enorme, intensa e veloz capacidade da criança de se emocionar, de se maravilhar e de acreditar no impossível, sua infinita curiosidade e amor pelo desconhecido, lhe restituiremos o direito de ser poeta e participar ativamente da Cultura como criadora e expectadora ([x]).  A RNPI propõe que os órgãos do governo federal que zelam pelo patrimônio cultural do País apoiem efetivamente os Estados, o Distrito Federal e os municípios a fim de que possam cumprir a ação finalística de promoção da cultura da infância e para a infância, constante de seus respectivos planos pela Primeira Infância;

 

Conclusão

Um dos direitos de que pouco se fala, mas que pode ser gerador da atenção aos demais, é o Direito ao Respeito. Respeitar cada criança como pessoa, cidadã, titular de direitos; respeitar a infância como ciclo de vida com valor em si mesmo e base interativa dos ciclos seguintes; compreender o significado profundo das experiências infantis, das interações com os pares e com os adultos, querer efetivamente que as crianças estejam bem, sejam felizes, tenham um ambiente estimulante… tudo isso é reconhecer a dignidade da criança e assegurar-lhe o espaço de ser e viver em sociedade.

A Rede Nacional Primeira Infância expressou essa concepção no Plano Nacional pela Primeira Infância ao dizer: A ambivalência da infância – presente e futuro – exige que cuidemos dela agora pelo valor da vida presente e que ao mesmo tempo mantenhamos o olhar na perspectiva do seu desenvolvimento rumo ao sentido pleno do seu projeto de existência. Para as crianças, mais importante do que preparar o futuro é viver o presente, viver agora e na forma mais justa, plena e feliz ( [xi]).

Além de não serem aceitáveis retrocessos, é justo acreditar na possibilidade de alcançar patamar mais alto na atenção integral aos direitos da criança, nos termos postos pelo Marco Legal da Primeira Infância. Temos o Plano Nacional Pela Primeira Infância 2010-2022 ([xii]), aprovado pelo CONANDA, como documento de grande qualidade política e técnica que o governo federal vem executando, nas diferentes áreas. Essa ação ganha mais amplitude e territorialidade quando conjugada com os Planos Estaduais, Distrital e Municipais pela Primeira Infância, cuja construção e implementação a RNPI vem incentivando e apoiando tecnicamente.

Aos que nos acompanham nesta declaração de compromisso com as crianças dizemos, com o poeta Mario Benedetti, em tradução livre ([xiii]):

“… Gosto de ti porque tuas mãos trabalham pela justiça

(….)

Gosto de ti por teu olhar, que vislumbra e semeia futuro

(….)

Gosto de ti porque tua boca sabe gritar rebeldia (….)”

 

 

Rede Nacional Primeira Infância

Assembleia Geral

Rio de Janeiro, 24 e novembro de 2017

Notas

[i] O foco de ação da Rede Nacional Primeira Infância é a proteção e promoção dos direitos da criança de até seis anos de idade ou setenta e dois meses de vida, período entendido como Primeira Infância, tal como definido na Lei 13.257, art. 2º – Marco Legal da Primeira Infância.  No entanto, infância e adolescência gozam dos mesmos direitos (art. 227 da CF e Estatuto da Criança e do Adolescente), aplicados segundo as especificidades das respectivas faixas etárias. A RNPI entende que infância e adolescência constituem um processo contínuo de desenvolvimento, e embora possam ser considerados ciclos próprios de vida, eles estão intrinsecamente concatenados. Nesse sentido, as menções que se fazem neste documento à proteção da criança valem também, respeitadas as especificidades, também ao adolescente. A diferença está em que nos anos iniciais da vida a negação das interações e “estímulos” promotores do desenvolvimento impacta negativamente com mais profundidade do que em idades posteriores E em que a adolescência, por ser um período de definições, escolhas, autoafirmação e busca de autonomia, as negações incidem sobre suas escolhas quanto ao rumo de sua vida e a forma de vive-la.

[ii]  UNICEF. Situação Mundial da Infância, 2005 – Infância Ameaçada.  Disponível em: https://www.unicef.pt/docs/smi2005.pdf

[iii] Idem, ibidem

[iv] UNICEF, op. cit.

[v] HECKMAN, James. James Heckman e a importância da educação infantil. Entrevista concedida a Mo nica Weinberg, Revista Veja, 22 de setembro de 2017.

[vi] Art. 227 da Constituição Federal; art. 12 da Lei 13.257/2017.

[vii] Fundação ABRINQ. A Criança e o Adolescente nos ODS – Marco Zero dos principais indicadores brasileiros. Serie 1, 2 e 3. São Paulo, 2017. Disponível em: https://observatoriocrianca.org.br/items-biblioteca?library_group_id=2  :

[viii] SARMENTO, Manoel Jacinto. O legado da infância na modernidade. Em: www.curriculosemfronteiras.org/vol6iss1articles/sarmento.pdf

[ix] . Conforme definição do Decreto nº 6.040, de 07 de fevereiro de 2007, os Povos e Comunidades Tradicionais são: “Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição“.

[x] Governo do Distrito Federal. Plano Distrital pela Primeira infância. Disponível em: http://www.crianca.df.gov.br/biblioteca-virtual/doc_download/274-plano-distrital-pela-primeriea-infancia.html . Ver também o Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/2017), art. 15.

[xi] Rede Nacional Primeira Infância – RNPI. Plano Nacional pela Primeira Infância 2010-2022. Brasília, 2010. Disponível em: www.primeirainfancia.org.br

[xii] Rede Nacional Primeira Infância. Plano Nacional pela Primeira Infância 2010-2022. Disponível em http://primeirainfancia.org.br/wp-content/uploads/2015/01/PNPI-Completo.pdf

[xiii] BENEDETTI. Mario. Poemas del Alma. Te quiero. “.. Te quiero porque tus manos trabajan por la justicia (…) Te quiero por tu mirada, que mira y siembra futuro (…) Te quiero porque tu boca sabe gritar rebeldía (.)”.   Em: https://www.poemas-del-alma.com/te-quiero.htm

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