20 de dezembro de 2011

Vítimas do descrédito, crianças com enxaqueca demoram a ter diagnóstico

Quase 2 milhões de crianças e adolescentes brasileiros têm dor de cabeça pelo menos dez dias por mês.

 

O doente está só. Ele e a dor. Muitos ainda enfrentam a incompreensão e o descrédito. Para Nathan Felix Bispo, de 12 anos, isso começou antes dos 7 anos de idade. Na escola, falava muito e saía no meio da aula. Os professores, é claro, não gostavam e lá vinha bronca. Ele conta que não explicava que era por causa da dor de cabeça. Não falava nada. “Tinha vergonha”, revela.

Em casa também ninguém entendia como o menino saudável tinha dor de cabeça. E lá vinha desconfiança. “Inicialmente a gente ficava com aquela dúvida: será que não é malandragem?”, conta o pastor Jessé Ferreira Bispo.

“O adulto sabe explicar a dor. A criança sofre e ainda sofre por conta do descrédito, porque a gente não acredita”, acrescenta a psicóloga Girlane Felix Bispo.

O descrédito acompanha também os que sofrem com a fibromialgia. A analista de sistemas Silvia Maria sabe bem o que é isso. A doença ainda é pouco conhecida, até pelos médicos. O diagnóstico sempre foi muito difícil. Os sintomas deixavam Silvia confusa.

“A dor pior é sempre quando eu levanto de manhã. A sensação é de que está tudo enrijecido. Doendo os ossos. Não sei se são ossos, se são os músculos, mas o corpo todo dolorido, principalmente da cintura para cima.”

A analista de sistemas pesquisou sobre a doença, consultou vários médicos, mas nenhum exame definia com certeza o que a deixava tão doente. Até que um neurologista fez uma pergunta surpreendente.

“Ele perguntou como era a minha casa, se era tudo arrumadinho. Eu falei que era. Porque, quem tem fibromialgia, gosta das coisas muito arrumadas”, diz.

Acertou na mosca. Na casa de Silvia, os quadros são fixos na parede com cola para não saírem do lugar. Mas faltava alguma coisa.

“Mas o diagnóstico não estava completo. Tanto que ele falou para fazer um exame novo e que poderia ajudar muito”, acrescenta.

O novo exame foi desenvolvido a partir de uma pesquisa no Hospital das Clinicas da Universidade de São Paulo (USP). Imagens são feitas com uma lente sensível ao calor. Ao todo, 210 pacientes com fibromialgia foram comparados a pessoas que não tinham a doença. O resultado parece uma pintura. Os pacientes têm uma distribuição de calor na pele diferente do resto da população. A cor vermelha mostra onde a temperatura é mais alta: no peito e nos ombros dos pacientes. Eles tinham também as extremidades, como os dedos e a ponta do nariz, mais frios: na cor roxa. E isso fica ainda mais claro na entrevista que fizemos usando o equipamento da pesquisa. Silvia afirma que acredita na imagem. “Sempre senti a ponta do meu nariz gelada.”

A pesquisa também conseguiu identificar em 60% dos pacientes outras doenças que eram confundidas com a fibromialgia, e por isso não eram tratadas.

Mas, para o médico termologista Marcos Brioschi, o grande benefício do exame é renovar as esperanças, a fé do paciente no tratamento.

“Ele está tão desacreditado na sua queixa que, quando ele vê alguma coisa que realmente comprova, ele fica emocionado de saber que o problema existe. Isso muda muito o tratamento, e ele começa a acreditar mais que ele possa melhorar da dor dele”, diz o pesquisador.

O jogo com os amigos, correria, disputa, o chute. Os pais de Nathan perceberam que realmente algo estava muito errado quando ele deixou de lado aquilo que mais gostava: o futebol.

“Na hora da crise, ele disse que não iria jogar bola. Alguma coisa não estava se encaixando”, lembra o pai.

Esse é o primeiro sinal para alertar pais e professores. Criança saudável corre, pula, sua, tem uma energia que parece sem fim. Toda esta vitalidade desaparece quando eles sentem dor. Isso é mais frequente do que muita gente pensa. Pesquisas recentes revelaram números surpreendentes. Quase 2 milhões de crianças e adolescentes brasileiros têm dor de cabeça pelo menos dez dias por mês. Perto de 8% da população infantil têm crises de enxaqueca.

O neurologista Marco Antônio Arruda realizou um estudo com seis mil crianças em 18 estados brasileiros. Ele explica como identificar uma enxaqueca infantil.

“A dor é pulsátil, latejante e piora com o esforço. Então a primeira coisa que os pais devem fazer, diante de uma criança com dor de cabeça, é pedir para ela agachar e pular para ver se a dor piora. Piorando, tem grande chance de ser uma enxaqueca”, diz o pesquisador.

O médico explica que as crianças com dor de cabeça têm cérebros mais sensíveis. Estímulos que não são sentidos por outras crianças, nelas podem levar à dor de cabeça. Exemplos:

– Luz do sol
– Falta de sono
– Som alto
– Refrigerantes
– Chocolates

“A primeira recomendação é colocar esta criança em um lugar silencioso, porque o barulho incomoda. Elas ficam mais sensíveis ao barulho, em um lugar com pouca luz, bem ventilado, e que favoreça o sono. Ao contrário da enxaqueca do adulto, que geralmente precisa de algum analgésico, a enxaqueca da criança, na grande parte das vezes, se resolve só com estas medidas simples não medicamentosas”, afirma Marco Antônio Arruda.

Mas muitas crianças como Nathan precisam de tratamento médico. É quando as dores afetam o comportamento e o rendimento na escola. As crises de Nathan vinham sempre que ele tinha prova.

“Crianças com enxaqueca parecem ter maior tendência a apresentar sintomas comportamentais de irritabilidade, ansiedade, e, principalmente, sintomas cognitivos, déficit de atenção, problemas de memória e velocidade de processamento das informações”, lista a neuropediatra Thaís Rodrigues Villa, da Unifesp.

Nathan agora toma um medicamento específico para tornar o seu cérebro menos sensível. Ele não perde a hora certa das doses. Ele conta que ficou tão disciplinado por causa da dor. “Para não ter de novo.”

“A criança se expõe a uma situação que gera crise, mas agora não gera mais. Ele tem um cérebro mais resistente para que nem tudo que ele vive na vida que possa ser estressante gere crise de enxaqueca”, diz a médica.

“O Nathan sem dor é um Nathan concentrado, com notas melhores, com um sono mais tranquilo, com um relacionamento mais saudável. Sorri mais. Ele sempre foi de bom humor. Agora ele tem um humor ainda melhor”, conclui a mãe.

 

Fonte: Isabela Assumpção (Revista Época)

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