27 de junho de 2019

Não existe um bebê sem a sua mãe – da Psicanálise à Economia

Por Maria José Rocha Lima*

Há décadas as ciências vêm reunindo um conjunto de informações, conhecimentos e provas que revelam a importância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento do ser humano. Mas, essas descobertas e repercussões nunca foram tão consideradas na economia mundial, como na atualidade, especialmente após os estudos de James Heckman – Prêmio Nobel de Economia 2016. É muito curioso que as suas conclusões corroboram em boa parte os estudos da Psicanálise sobre as possibilidades do bebê ao nascer, “dependerem da qualidade do cuidado oferecido pelos pais, do vínculo, da supervisão”, concluindo que: “as capacidades não estão definidas ao nascer, mas são afetadas causalmente pelo investimento dos pais em suas crianças”. O economista amplia grandemente essa compreensão, revelando “que uma medida apropriada de desvantagem está mais relacionada à falta destes investimentos que da renda familiar por si só”.

Estas conclusões vão ao encontro dos estudos da Psicanálise, especialmente do pediatra e psicanalista inglês Donald Woods Winnicott, que nasceu em 7 de abril de 1896, no Reino Unido e  atuou como pediatra por mais de quarenta anos, o que conferiu uma perspectiva singular às suas ideias. Foi por duas vezes presidente da Sociedade Britânica de Psicanálise. Para Winnicott: “no começo da vida, tudo o que o bebê precisa é de  uma mãe capaz de mantê-lo na ilusão de serem ambos uma só pessoa, para pouco a pouco se diferenciarem em mãe e filho.” Este momento é decisivo para a integração do bebê. O bebê precisa de uma “mãe suficientemente.” Esta “mãe suficientemente boa” – termo por ele cunhado – é aquela que atende adequadamente às necessidades do bebê; o protege; o socorre nas suas agonias, mas é sobretudo a mãe que oferece à criança a possibilidade de criação. Esta criança tem que ter a possibilidade de experimentar aquilo que a caracteriza como ser humano: a criação. A criança precisa ter a possibilidade de experimentar a criação do mundo; a criação da sua mãe. Winnicott vai criar uma frase exemplar do seu pensamento: “em determinado momento a criança sob pressão das suas necessidades instintivas faz um movimento em direção a algo, a mãe, que  em estado de identificação com o bebê põe o seio ali, onde a criança o cria e dessa forma a criança tem a ilusão de que o seio encontrado é o seio que ela criou”.

O psicanalista inglês, vai falar de um primeiro momento constitutivo que ele vai chamar de constitutivo da ilusão. Ela vai fazer desse movimento da criança em direção ao seio que está pronto para ser apanhado e isso cria a ilusão de o ter criado. Ele tem a ilusão de ter criado o que ele necessita. A mãe “suficientemente boa” cria o que o autor chama de espaço potencial, possibilitando a transição do bebê da fase de unidade e integração, que é da dependência absoluta da mãe, até a relativa. Sobre estas fases Winnicott definiu três realizações principais: integração, personificação e início das relações interpessoais. Em debates na Sociedade Psicanalista de Londres ele se surpreende com a sua própria veemência ao gritar: “Não existe um bebê sem a sua mãe.” E descobre que esse seria um ponto fundamental do seu pensamento. Depois disso, muitas foram as suas elaborações sobre essa relação entre mãe e filho e há quem entenda que a área entre o bebê e a mãe, onde se passam muitas experiências compreende também o que o autor chamou de espaço potencial.

Winnicott, durante uma observação corriqueira de suas experiências com crianças, destacou que quando dormem, as mesmas costumam chupar o dedo, agarrar-se a um brinquedo, acariciar lençóis e fronhas, associando estes gestos à ansiedade da separação da figura da mãe, normalmente na fase do desmame. A estes, ele denominou de objetos transicionais. E há quem interprete que “este espaço potencial é o espaço que cresce e se alarga cada vez mais para conter, no futuro, toda a riqueza de nossa vida criativa e cultural, os hobbies, a religião, as atividades científicas, a arte, o lazer, as nossas ideologias”. Posteriormente realizou estudos sobre os espaços potenciais e os objetos transicionais e uma das suas elaborações mais destacadas foram sobre a importância do brincar no desenvolvimento da criança.

Para Winnicott “do brincar com a mãe, através da alucinação, a criança passa pelo estágio dos fenômenos transicionais e chega a brincar realmente com alguém, ao brincar compartilhado. Este momento é decisivo para o desenvolvimento das relações interpessoais. Winnicott avalia que a confiança nascida no bebê vai se expressar no momento da separação da sua mãe. E para ele essa confiança decorre do atendimento, nos cuidados nos momentos angustiantes, mas é também adquirida com o brincar, sendo nesse espaço de brinquedo que começamos a descobrir a criança e a criança a se auto-descobrir. Para Winnicott, o brincar é universal; facilita o crescimento, insere a criança nos relacionamentos em grupos, podendo se tornar uma forma de comunicação. Desse modo, ilustrá-lo se torna desnecessário, por ser tão óbvio. O autor obteve outros significados muito importantes para o brincar.

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*Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Deputada Estadual da Bahia de 1991 a 1999. Fundadora da Casa da Educação Anísio Teixeira.

 

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