27 de fevereiro de 2013

‘Comer seletivo’ inicia na infância

O comportamento é complexo, pois envolve vários fatores (familiar, cultural, genético e individual) da criança

 

A dieta de A. Júnior, 6 anos, resume-se a exatos cinco itens: biscoito recheado de chocolate, suco de uva de caixinha (ambos de uma marca específica), purê de batata, pão de queijo e bananada. E não adianta apelar porque o pequeno não cede e se irrita diante da insistência da família em fazer com que prove outros alimentos além dos pré- definidos por ele.

Embora os critérios diagnósticos ainda sejam controversos quanto a “seletividade alimentar”, existem parâmetros a serem observados. Segundo a nutricionista Myriam Fragoso, especialista em psicologia e reeducação alimentar, esse comportamento é adotado por crianças que seguem uma dieta limitada (cerca de seis itens) e oferecem grande resistência em ampliar esse repertório dietético.

 

Dieta de carboidratos

O cardápio normalmente inclui altas taxas de carboidratos (pão, pizza, batata frita) e produtos lácteos e exclui frutas e verduras. Não raro estão presentes também particularidades sobre marcas (reconhecidas pelo rótulo) e a forma como os alimentos são preparados (papas e purês).

“Acredito que a escolha por carboidratos ocorra por serem palatáveis, fáceis de engolir, exigindo menos mastigação. Também contribuem para que a refeição termine mais rápido”, diz Raquel Barsi, psicóloga e psicoterapeuta com formação em gestalt terapia e especialização em psicologia e práticas de saúde pela Universidade de Fortaleza (Unifor).

 

Como identificar

Os pais devem ficar alertas quando o comportamento permanece por longos períodos de forma constante e interfere no desenvolvimento intelectual, social e orgânico.

Em um nível patológico, destaca Myrian Fragoso, a seletividade é classificada como um transtorno alimentar com início na infância. A psicóloga Raquel Barsi completa: “Deve ser observado um claro prejuízo funcional e não existirem distúrbios de imagem corporal nem preocupação com o peso por parte da criança”.

A criança seletiva costuma ingerir uma quantidade de alimentos adequada e, assim, muitas vezes apresenta peso e altura compatíveis com sua idade “Mas o fato de ter peso adequado não significa que ela não tenha o comer seletivo. As dificuldades devem estar claramente definidas além dos limites normais”, explica.

 

Ambiente familiar

A etiologia do comportamento seletivo é complexo, pois abrange uma série de fatores. Dentre eles, Myrian Fragoso destaca os: familiares (postura desarmônica dos pais ou cuidadores em relação ao alimento); culturais (indústria do fast food, padrão de beleza magro, sedentarismo); genéticos (presença de transtornos alimentares na família); e individuais (personalidade e preferências das próprias crianças).

Contudo, de todos os fatores envolvidos, a dinâmica do ambiente familiar é o que merece atenção redobrada. Isso porque, segundo a prática de consultório, famílias desestruturadas apresentam maior frequência de casos de seletividade alimentar.

Como exemplo, a nutricionista Myrian Fragoso cita o exemplo de mães ansiosas (que não conseguem definir limites) e de pais que adotam posturas extremamente rígidas, principalmente no controle da alimentação (quantidade, qualidade e horários). Há também os adultos que fazem com que a criança desenvolva uma relação de dependência e dificuldades para enfrentar o novo (inclusive a inclusão de novos alimentos na dieta).

Outra prática bastante comum diante da angústia e do sentimento de incapacidade de mudar a atitude do filho, “são os pais que oferecem alimentos de baixo valor nutricional (e que estão na lista dos preferidos pela criança), ou apelam para recompensas ou imprimem punições. Em casos mais graves, há relatos de agressões físicas. Ao assumirem essa postura, as crianças passam a ver a comida como uma ´moeda de troca´, não percebendo o real valor do alimento em suas vidas”, conclui Myrian Fragoso.

 

FIQUE POR DENTRO

 

Alimento como expressão do vínculo afetivo

A criança encontra na alimentação uma forma de expressão da subjetividade como aprendizado da autonomia, insegurança, vínculo afetivo e conflitos emocionais, afirma a psicóloga Raquel Barsi.

Tal comportamento também é aplicado no adulto. “Não é a toa que dependendo do momento que a pessoa está passando, ela prefere escolher um tipo de alimento. Se está triste, busca um chocolate, pois sentimento de alimentação estão juntos. Afinal, é a partir da alimentação que todos nós quando bebês temos o primeiro contato com o mundo”, diz.

Barsi desconhece um perfil típico de pais ou de crianças que vão desenvolver o comer seletivo, da mesma que não existe uma solução única para o problema. “Cada ser humano é único, com seus anseios e desejos. Ele precisa ser cuidado e olhado individualmente”, afirma. Se os pais não estão conseguindo sozinhos, precisam procurar ajuda de uma equipe interdisciplinar (nutricionista, médico, psicólogo, terapeuta ocupacional). “Dependendo do grau de comprometimento da criança, é preciso até que os pais se submetam também a psicoterapia para ajudar no processo”, conclui.

 

Informações Diário do Nordeste

voltar