21 de fevereiro de 2020

Redes da Maré lança dados sobre da violência armada na Maré em 2019

Só no ano passado foram registradas quase 300 horas de operações policiais

A 4ª edição do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré revela que os moradores da Maré viveram cerca de 300 horas de operações policiais, o que representou uma operação a cada 9 dias. Foram 49 mortes, num aumento de mais 100% em relação a 2018 (34 em decorrência de ação policial e 15 por ação dos grupos armados) e 45 feridos por arma de fogo na região em 2019. O relatório traz dados e análises dos impactos da violência armada nas 16 favelas da Maré durante o ano de 2019. O Boletim é produzido pelo projeto “De Olho na Maré”, através do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré.

Desde 2016, quando o monitoramento dos dados começou a ser feito, foi identificado que as incursões suspendem os direitos básicos dos moradores e são feitas com grande uso de aparato bélico. A saúde e a educação dos que residem e trabalham na Maré também são diretamente afetadas pela violência armada. Foram registrados 24 dias de atividades suspensas nas escolas da região, totalizando até 12% dos dias letivos perdidos e 25 dias de atividades suspensas em unidades básicas de saúde, estimando-se que 15.000 atendimentos não foram realizados por conta de operações.

Para a coordenadora do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré, Lidiane Malanquini, o Boletim surge da ausência de dados que contemplem o impacto das operações policiais na Maré. Para ela, o dado que mais chama a atenção é o recorde de 34 mortes praticadas por agentes do Estado sendo 100% pretos e pardos, demonstrando que a política de segurança pública do Rio de Janeiro tem alvo seletivo e atua para reforçar o racismo estrutural da sociedade brasileira, atingindo sobretudo jovens negros das favelas e periferias.

“O Boletim surge para construir novos parâmetros de avaliação pensando como isso impacta no cotidiano de quem mora e está na Maré. Historicamente, os indicadores de sucesso de uma operação policial são medidos através do número de pessoas presas, apreensão de drogas e armas. A produção de dados e narrativas de quem sofre os impactos severos desta política de segurança que não preserva a vida, fecha escolas, postos de saúde e limita tantos outros direitos, é fundamental para pensarmos como as políticas públicas podem se estruturar a partir das necessidades e das demandas locais”, destacou Lidiane.

Relembre o caso de Vitor Santiago
No dia 12 de fevereiro de 2015, o carro de Vitor Santiago foi atingido por seis tiros de fuzil pelo Exército. Aos 29 anos, o morador da Vila dos Pinheiros, no conjunto de favelas da Maré, foi atingido por dois tiros: um pegou na coluna, deixando-o paraplégico, e o outro atingiu a perna direita e saiu na esquerda, resultando em sua amputação. Cinco anos após o crime, o soldado que atirou contra Vitor será julgado no dia 18 de fevereiro, próxima terça-feira, pela Justiça Militar.

Embora o promotor militar tenha alegado que o soldado agiu em “legítima defesa imaginária”, a esperança é de que o soldado seja responsabilizado pelo crime que cometeu e que o caso sirva de exemplo para que não se repita. Vitor estará presente no julgamento junto com amigos e familiares.

“Lembro que um pouco antes de acontecer isso comigo eu tive como heróis os soldados que entraram aqui dentro porque eles tinham projeto no papel, na teoria, de tirar as crianças da rua, de fazer isso e aquilo. Pô, eu fiquei encantado com aquilo, eu passava com a minha filha no colo e dava tchau pro soldado… E aí no final das contas eu fui alvejado, tive a vida modificada completamente por quem deveria ter trago segurança pra cá pra dentro, por quem um dia eu confiei”, destacou Vitor.

Confira a íntegra da 4ª edição do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré com os dados completos: http://redesdamare.org.br/media/downloads/arquivos/BoletimSegPublica_2019.pdf

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